Ouça este conteúdo
Entre os problemas da administração pública que ajudam a manter o Brasil no subdesenvolvimento econômico está a falta de sequência de projetos e iniciativas boas, principalmente se o governante – prefeito, governador e presidente da República – for adversário político de seu antecessor. Muitas vezes nem isso é necessário; faz parte da cultura política brasileira sempre criticar e depreciar os governantes anteriores, como aconteceu com Lula, ao assumir em 2003, com sua narrativa constante segundo a qual o presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso, deixara uma “herança maldita” que ele, Lula, viera para consertar, quando FHC, ainda que tenha cometido seus erros, entregou o governo tendo dominado o principal monstro brasileiro: a hiperinflação; além disso, saneou o desastroso sistema financeiro nacional e seus mais de 30 bancos estatais federais e estaduais.
O enredo está se repetindo agora, quando Lula não consegue reconhecer qualquer política ou medida positiva de seu antecessor e repete a mesma ladainha de que recebeu um país destruído, sem sequer referir-se ao fato de que o Brasil e o mundo enfrentaram dois anos – 2020 e 2021 – de uma terrível pandemia que paralisou a economia e trancou a população em casa. Primeiro, é preciso lembrar que o governo não se resume ao presidente e aos ministros, mas tem uma máquina estatal em funcionamento e alguns quadros técnicos de excelência. Agora mesmo, o Ministério da Fazenda anuncia um conjunto de 13 medidas que fazem parte das reformas microeconômicas capitaneadas pelo secretário de Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto, que é um técnico reconhecido de bom nível.
Os desacertos neste governo são tantos que é bem-vindo o anúncio de algumas iniciativas positivas originadas no Ministério da Fazenda
Algumas das medidas já estavam tramitando no Congresso Nacional – algumas delas, aliás, eram iniciativa do governo anterior – e, no geral, são medidas positivas, embora insuficientes para tirar o Brasil de sua condição de país burocrático e com leis precárias em relação ao ambiente para fazer negócios, conforme consta de publicações e rankings internacionais. Nesse sentido, vale lembrar as sete reformas propostas por Paulo Guedes, ministro da Economia de 2019 a 2022: reforma da Previdência Social, pública e privada; reforma tributária; privatização de empresas estatais, incluindo serviços operacionais na infraestrutura; revisão e redução dos subsídios fiscais, creditícios e monetários; reforma administrativa, com diminuição da burocracia; autonomia do Banco Central; e ampliação da liberdade comercial, com maior abertura internacional. Dessas, a que mais andou foi a autonomia do Banco Central, que Lula e seus adeptos querem agora revogar; a reforma da Previdência, embora aprovada, ficou aquém do que poderia ter sido.
As 13 medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda no dia 20 de abril, e explicadas pelo secretário Barbosa Pinto, são: 1. Garantia para PPPs de entes subnacionais; 2. Debêntures incentivadas para infraestruturas sociais e ambientais; 3. Novo Marco das Garantias; 4. Garantia com recursos previdenciários; 5. Simplificação e desburocratização do crédito; 6. Acesso a dados fiscais; 7. Autorização de bancos e moeda digital; 8. Regime de resolução bancária; 9. Combate ao superendividamento (mínimo existencial); 10. Proteção a investidores no mercado de capitais; 11. Infraestruturas do mercado financeiro; 12. Cooperativas de seguros; 13. Normas de seguro privado. A simples lista das medidas não é suficiente para explicar o conteúdo e o alcance de cada uma, porém as reações do mercado indicam que as medidas são positivas e eventuais deficiências somente poderão ser avaliadas no curso de sua implantação e funcionamento.
Trata-se de medidas que abrangem áreas importantes e necessitadas de modernização e maior flexibilidade, com os devidos cuidados quanto à segurança e qualidade das operações. Entre as áreas abrangidas pelas medidas, estão: 1. incentivo à formação de fundos financeiros e aplicações em ativos direcionados a investimentos em infraestrutura; 2. ampliação do leque de opções para operações de crédito, especialmente destinado a financiamento de capital de giro e atividades produtivas; 3. modernização do mercado de garantias para contratos de empréstimos e financiamentos; 4. medidas de proteção e estímulo ao crescimento do mercado de capitais, especialmente o mercado de ações; 5. atualização das possibilidades de operações com novos tipos de ativos e moedas, como o caso das moedas digitais; 6. introdução de novos mecanismos de seguros e ampliação das hipóteses de contratação e administração securitária.
Por mais que se possa – e deva – criticar o atual governo pelos erros e desconstrução de avanços anteriores, as 13 medidas anunciadas podem melhorar o ambiente econômico; em alguns casos, são atualizações necessárias em função da evolução do mercado, da tecnologia e da experiência. Agora, os técnicos do Ministério da Fazenda devem detalhar os aspectos técnicos e o funcionamento operacional a fim de que a qualidade conceitual não seja prejudicada pelas regras de execução. Toda política econômica, como também todo projeto econômico e de investimento, passa pelas fases de concepção, estruturação, regulamentação, execução e avaliação. Os acertos e erros somente podem ter julgamento completo ao fim do ciclo, em especial no setor público brasileiro, em que muitas propostas inicialmente boas acabam de forma lamentável e prejudicial ao país, como é o caso das milhares de obras municipais, estaduais e federais paralisadas. A tramitação no Congresso Nacional naquilo que deve ter aprovação parlamentar é uma fase importante, sobre a qual o risco maior e a desfiguração que introduza dispositivos negativos nas medidas e até mesmo contrários ao objetivo pretendido.
O estímulo ao crescimento econômico, entretanto, requer outras reformas microeconômicas que foram propostas no passado, mas não avançaram, tais como: modernizar e melhorar a legislação sobre investimentos estrangeiros; atualizar o marco regulatório das parcerias público-privadas nos projetos de infraestrutura; elaborar e começar a executar um programa de expansão e recuperação da malha rodoviária; planejar um ciclo de investimentos em ferrovias e aprovar as regras de longo prazo para o setor; expandir o sistema de portos e modernizar seus equipamentos; e simplificar os controles burocráticos sobre os negócios. Ainda assim, essas medidas elaboradas pelos técnicos do Ministério da Fazenda, sob a gestão da Secretaria de Reformas Econômicas comandada por Marcos Barbosa Pinto, são um bom começo e surgem num momento em que o Brasil enfrenta a contrariedade e hostilidade vindas dos Estados Unidos e da Europa em razão das falas inconsequentes do presidente Lula em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia, e das críticas do presidente quanto ao uso do dólar como moeda-padrão internacional. Os desacertos neste governo são tantos que é bem-vindo o anúncio de algumas iniciativas positivas originadas no Ministério da Fazenda.