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Editorial

Pandemia, inflação e poder de compra

(Foto: Bigstock)

Há exatos dois anos, em março de 2020, o Brasil se deparava com o ataque intenso do coronavírus que, vindo de outros países já em situação grave (caso da Itália e Espanha), fazia explodir o número de pessoas infectadas e a quantidade de internações pela agressividade da Covid 19. Rapidamente, já em abril daquele ano, duas consequências se intensificavam: a pressão sobre os leitos hospitalares para pacientes de Covid e o isolamento social em massa. Sem vacina e sem perspectiva de quando surgiria uma forma eficaz de imunização, os meses seguintes impuseram duas experiências que o Brasil nunca houvera tido: a população em massa trancada em casa e o sistema econômico parado, senão totalmente, pelo menos em grande parte da indústria, comércio, serviços e setor público.

Somente após outubro de 2020 as esperanças quanto às vacinas ganharam possibilidade real, mas o ano terminaria com a economia mundial em queda, recessão severa, desemprego e, para muitas categorias de trabalhadores, a perda total de suas rendas. Este foi o caso dos profissionais autônomos de serviços que não podem ser executados à distância, via on-line ou qualquer outra forma de não presencialidade, como é o serviço de cabeleireiro, intervenção médica e outros procedimentos feitos pelo profissional diretamente no corpo do cliente. Segundo informação do Banco Central (BC) em abril de 2020, um total de 40 milhões de profissionais autônomos interromperam suas atividades e ficaram recolhidos em casa sem nenhuma renda.

A economia brasileira não parou totalmente, mesmo porque isso é uma impossibilidade, pois a paralisação total significaria não haver fornecimento de alimentos, energia, água, medicamentos, assistência à saúde e longa lista de bens e serviços vitais. Outro tanto do sistema produtivo conseguiu oferecer seus produtos por meios tecnológicos remotos, como foi o caso da educação e alguns serviços pessoais como psicologia, palestras, assessoria profissional etc. Encerrado o ano de 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro mostrou queda de 3,9%, número considerado modesto diante do tamanho da tragédia. Para constar, um setor que praticamente não parou foi o agronegócio, sobretudo porque as safras agrícolas e a pecuária não tinham meios de paralisar as atividades, sob pena de não se colherem os produtos e morrerem os animais.

O ano de 2021 entrou sob a continuação das mesmas condições de 2020, com uma novidade: o mundo já havia conseguido ter vacinas capazes de enfrentar o vírus e as infecções com chances de sucesso. Em março de 2021, portanto há um ano desde o início do isolamento social, o Brasil começou a receber, embora com certo atraso, estoques do medicamento e o processo de vacinação iniciava sua trajetória que permitiu encerrar o ano com praticamente todos os 160 milhões de adultos tendo tomado pelo menos duas doses da vacina. O PIB de 2021 cresceu 4,6% sobre 2020, e isso se deveu à confiança da população na vacina, além do retorno parcial e gradual das atividades econômicas. Atualmente, neste primeiro trimestre de 2022, praticamente todos os setores estão de volta, em condições de alívio pelo resultado na luta contra a Covid 19.

Porém, o Brasil experimentou duas situações inéditas e sem histórico para orientar o que fazer: uma, a inflação se elevou em função do choque de oferta (queda da produção à taxa superior à queda da demanda); outra, o sistema produtivo foi desorganizado, com efeito sobre as finanças das empresas e a renda das famílias. É importante considerar que, durante a ocorrência da inflação, a renda pessoal é reduzida e o impacto negativo sobre o poder de compra é devastador. A situação somente não foi pior porque o governo e o parlamento aprovaram auxílios emergenciais e estes foram pagos de forma rápida para quase 70 milhões de beneficiários.

No atual momento, é importante que os líderes empresariais, os políticos e os governantes em geral entendam que inflação causada por choque de oferta não se combate com os mesmos instrumentos usados para combater inflação de demanda. Um desses instrumentos é a elevação da taxa de juros que, quando o consumo está excessivo em relação à produção, serve para desaquecer a demanda e reduzir a pressão sobre os preços. Isso não quer dizer que a taxa de juros não deva ser elevada de forma alguma; sim, ela deve ser elevada para evitar a corrosão dos valores poupados, com prejuízos principalmente para as pessoas e famílias que poupam para formar reservas destinadas à aposentadoria ou emergências. Inflação de oferta se combate essencialmente com aumento tão rápido quanto possível da produção de bens e serviços.

É importante considerar que, durante a ocorrência da inflação, a renda pessoal é reduzida e o impacto negativo sobre o poder de compra é devastador

Vale mencionar que a inflação é uma espécie de doença autoalimentadora que conduz à inflação inercial, isto é, os preços aumentam hoje porque aumentaram ontem e aumentarão amanhã porque aumentaram hoje. Para quebrar a inflação inercial, é necessário que a produção se recupere em período curto, sem o que nenhuma medida monetária dá conta de, sozinha, conter o processo inflacionário. O governo deve agir rapidamente, pois a inflação corrói o poder de compra das rendas pessoais, desvaloriza as poupanças e reduz o valor dos capitais acumulados. Em uma só frase: a inflação empobrece a nação. Vale mencionar que o choque de oferta teve duas causas principais: a pandemia e a grave falta de chuvas. À medida que ambas as causas desapareçam do cenário real da vida, sociedade e governo devem fazer um esforço para repor o trem da economia nos trilhos da normalidade. Essa é a missão principal das lideranças governamentais e empresariais, mesmo neste ano de eleições estaduais e federais.

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