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A validação da Lei da Ficha Limpa no julgamento realizado anteontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) será de grande benefício para a sociedade, ao impedir a candidatura de políticos julgados e condenados por um grupo colegiado de magistrados em casos de crimes contra a administração pública. A lei estabelece um primeiro filtro para candidaturas, cujo efeito na política será sentido ao longo do tempo. Portanto é de se comemorar que a maioria dos ministros tenha tido a sensibilidade jurídica de compreender a questão sob a perspectiva de que a norma trata de requisito para a participação de disputas eleitorais, afastando uma possível interpretação de que a matéria teria natureza penal.

Ao se entender que a norma traz apenas regras que condicionam a candidatura e não contém caráter punitivo, o espaço público foi enaltecido. Fruto de um projeto de iniciativa popular, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada em 2010, no calor de acirradas disputas eleitorais, em que se definiria o primeiro presidente pós-Lula, além de governadores, senadores, deputados federais e estaduais.

O forte anseio popular em favor de melhorias na qualidade da representação política foi fator de relevância em todo o debate realizado pelos congressistas e funcionou inclusive como instrumento de pressão quando da aprovação da lei. Essas aspirações apaixonadas de elevadas parcelas da sociedade prosseguiram ao longo do tempo, a ponto de, quando a questão passou a ser discutida no âmbito jurídico, poder contaminar o debate sobre a constitucionalidade de pontos centrais – referentes à possibilidade de incidência da lei para crimes cometidos anteriormente à sua publicação, em 4 junho de 2010, e à possibilidade de impedimento da candidatura de políticos que já tenham sido julgados por um colegiado de juízes.

O problema foi bem detectado por aqueles ministros que votaram contra a constitucionalidade da norma. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes, por exemplo, lembrou que era equivocado o uso de expressões como "vontade do povo" e "opinião pública", empregadas com o intuito de relativizar o princípio da presunção de inocência no que diz respeito ao sistema de inelegibilidade do direito eleitoral. "Não podemos proceder, a meu ver, a uma tal relativização levando em conta uma suposta maioria popular momentânea que prega a moralização da política à custa de um princípio tão caro a toda a humanidade, que é o da presunção da não culpabilidade", declarou Mendes.

De fato, não é o clamor popular que deve ser a tônica dominante das decisões da mais alta corte brasileira. Caso isso acontecesse, estaria a se abrir um caminho perigoso, que, se radicalizado, poderia conduzir ao totalitarismo. Como órgão máximo do Poder Judiciário, o STF é o guardião do texto constitucional. E, por essa razão, deve se pronunciar, inclusive, de maneira contrária ao esperado por maiorias provisórias, sempre que julgar que isso seja preciso para proteger a Lei Maior. Ou seja, cabe ao STF desempenhar sua função contra-majoritária, livre de paixões momentâneas, sempre que as circunstâncias se mostrarem necessárias.

Portanto é respeitável o papel dos ministros que foram contrários à validação a lei, seja por entender que ela viola o princípio da presunção da inocência, seja por entender que ela não poderia valer para os casos que ocorreram antes de sua publicação, já que a inelegibilidade não era consequência prevista pelo ordenamento jurídico, no momento do ato realizado pelo candidato. O ponto de vista desses ministros era de salvaguardar garantias imprescindíveis para o bom funcionamento do regime democrático.

De outro lado, é censurável o argumento apresentado por alguns ministros, de que a Lei da Ficha Limpa deveria ser aceita como constitucional por ser fruto de vontade popular, que nela inseriu o seu "DNA". Durante o julgamento de dois dias, a ministra Rosa Weber chegou a afirmar: "Entendo que esta Corte não deve ser insensível a essas aspirações populares".

Sem dúvida, a declaração da constitucionalidade da Ficha Limpa é um avanço para melhorar a qualidade dos eleitos. Entretanto, o fundamento de sua validade não decorre das aspirações populares circunstanciais ou do clamor popular. No entendimento deste jornal, não parece razoável que o STF tenha como fundamento decisório conceitos abertos como "clamor popular" e "opinião pública". Embora não seja o caso da Ficha Limpa, a se entender como válidos argumentos dessa natureza todo o sistema de direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal pode ser desfigurado. E esse fato jamais pode ser negligenciado.

Feitas as ressalvas, destacamos que a Lei da Ficha Limpa entendida sob o aspecto da não punição pela maioria dos ministros representa um ganho para a sociedade. Não pelo clamor popular, que não deve ser baliza para as decisões da mais alta corte do país, mas sim pela resposta à mobilização e crescente preocupação da sociedade com a ética na gestão pública.

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