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Chegou a hora de fazer um balcão de ideias para revitalizar áreas degradadas da cidade

Curitiba está em transe. A cada dia a cidade replica o movimento mundial de tomada de posse do espaço urbano. Ora refuta a implantação de um terminal de ônibus na Praça do Japão. Ora volta o olhar para um de seus espaços mais tradicionais, o Passeio Público, e se propõe a reinventá-lo. Os exemplos se sucedem, e parece temerário rotulá-los como um modismo provocado por jovens inspirados nas ruas de Amsterdã.

É fato que as diversas ocupações simbólicas e reações populares que pipocam na cidade ainda estão na fase emocional. Há os abraços coletivos, os manifestos na internet e, vez ou outra, um bate-boca extremado entre os grupos mais enfezados que surgiram desde o fim da Guerra Fria – saíram os de esquerda e os de direita, entraram os sustentáveis e os motorizados. Quiçá a cidade passe para a próxima etapa, justo a mais decisiva.

A degradação do Centro não é um privilégio local. Das capitais litorâneas brasileiras, apenas Florianópolis não enfrenta algo parecido. É grave. Um flagrante desperdício de áreas urbanizadas. Um chamariz para a violência – o abandono dos espaços outrora nobres redunda na vitória da criminalidade, como boa parte dos estudos da geografia do crime tende a comprovar. É lapidar a fala de Bauman sobre as "elites voadoras", que passam a olhar os lugares públicos com distanciamento, até o ponto em que deixem de ter importância.

O Passeio Público faz parte do Centro, logo recebe respingos desse estágio de descaso. Por sua beleza, passado e significado, nada mal que a reocupação do Centro comece por ali. Mas, terminado o barulho, resta saber como será. Esse é o perigo – de que tudo não passe da explosão libertária; uma farta lamentação por aquilo que o Passeio foi e não poderá mais ser.

Remédio? Fazer uma antropologia urbana do Passeio, de modo que se possa entender que uso a população passou a fazer dele. E o que impede que os outros o façam. Não é preciso ser um doutor em urbanismo para deduzir que as canaletas do expresso, abertas ali ainda na década de 1970, foram aos poucos tirando a seiva do Passeio. Basta olhar o estado de penúria dos prédios e do comércio da Rua Presidente Faria. O shopping instalado nas proximidades, na década de 1980, encarregou-se de vampirizar o que faltava.

Some-se ao diagnóstico a fuga da classe média do Centro, a "zona estranha" em que se tornou o Passeio e a incapacidade do poder público em ressignificá-lo. Mas isso já se falou e disse. Resta agora montar um grande balcão de ideias para o local. Não é um bicho de sete cabeças.

Cidades do Equador e da Colômbia, por exemplo, fecham ruas centrais aos sábados e domingos para que a população as use para folguedo das crianças, esportes e convivência. No Brasil, o trânsito interrompido no Minhocão paulistano, no fim de semana, confirma que dá certo, que tem como, que é só querer. Não seria loucura sugerir que uma vez por semana os biarticulados desviassem do Passeio, estendendo a área para ciclistas e skatistas, livres da ameaça dos ônibus.

Ainda na linha do "sonhar não custa nada", bom seria se o Colégio Estadual Tiradentes, uma soberba arquitetura de Rubens Meister, fosse rebobinado e virasse um museu, tal e qual a concepção original. Previa-se ali, inclusive, um anfiteatro, nunca concluído. Se não der, mal não faria envolver os alunos da escola – das mais tradicionais – na revitalização do Passeio. O mesmo se diga dos estudantes do Colégio Estadual do Paraná, dos moradores da Casa do Estudante Universitário, dos usuários do Farol do Saber Gibran Khalil Gibran, todos vizinhos. Os jovens, ainda que muitos insistam em ignorar, são por natureza os restauradores de espaços degradados. Onde tem jovem tem comida barata e cultura. O Passeio Público deveria ser em parte confiado a eles, por sorte de uma política pública.

Pode parecer uma conversa insana, mas igualmente insano é deixar que as políticas ligeiras de reocupação da cidade se transformem em gentrificação – essa palavra meio obtusa usada para traduzir o desejo de afastar os indesejados, construindo um cenário artificial. Como diz o antropólogo Jonathan Friedman, "as grandes fronteiras não existem. Elas agora são erguidas a cada esquina". Há quem conviva sem traumas com as prostitutas, desocupados e demais deserdados que fizeram do Passeio Público seu endereço. Uma boa pesquisa poderia ajudar a entender os limites, e surpresas, dessa convivência própria de uma grande cidade.

Sem ouvir "o som ao redor", a tendência é reduzir essa conversa a uma reivindicação por segurança, pela presença do Estado. Mudar o parque é estar lá – a passeio e por convicção.

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