Antes fosse apenas o triste costume do “recesso branco”, em que parlamentares abandonam as funções para as quais foram eleitos com o objetivo de se dedicar, como candidatos ou padrinhos poderosos, às eleições municipais de novembro. A letargia do Congresso neste fim de 2020 também tem outros motivos: disputas internas de poder que podem inviabilizar ou atrasar projetos que são urgentes para o país, como o próprio Orçamento da União.
A Comissão Mista de Orçamento (CMO), por exemplo, que reúne deputados e senadores para analisar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), nem chegou a ser instalada ainda pelo presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Se é verdade que a pandemia de Covid-19 atrapalhou bastante os trabalhos parlamentares no primeiro semestre, quando a CMO costuma ser criada, este já não é o motivo para que os congressistas não estejam analisando a proposta orçamentária enviada pelo governo: o problema é uma disputa de poder entre grupos de deputados.
Cada projeto parado em meio a essas disputas internas de poder representa, no mínimo, uma oportunidade perdida
Tradicionalmente, presidência e relatorias são alternadas entre senadores e deputados a cada ano – em 2020, senadores relatarão os projetos, e esses postos já estão definidos, com Irajá Abreu (PSD-TO) para a LDO e Márcio Bittar (MDB-AC) para o Orçamento. É a presidência da CMO, que neste ano será de um deputado, que coloca em rota de colisão o Centrão e o Democratas. Os membros do DEM alegam que havia um acordo, feito no início do ano, para que o partido indicasse o presidente da CMO, mas um dos líderes do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), alega que o acerto tinha sido feito quando o DEM integrava um bloco de partidos ao lado das legendas do Centrão; como os Democratas deixaram esse bloco, o acordo já não teria validade.
O pano de fundo da queda de braço é a disputa pela presidência da Câmara, no início do ano que vem, e há quem tema que o relator, dado o curto espaço de tempo que os congressistas terão para discutir o orçamento, ganhe importância suficiente para usar o cargo como peça de barganha eleitoral, para si ou para o grupo a que pertence. A chave seriam as “emendas de relator”, que já estiveram no centro de uma disputa de R$ 30 bilhões entre o Congresso e o presidente Jair Bolsonaro no início deste ano – o Legislativo quis que essas emendas tivessem caráter impositivo, o que não tem previsão legal, e Bolsonaro vetou o dispositivo. No fim, prevaleceu o veto, mas nada impede que se tente repetir a manobra no Orçamento de 2021.
Enquanto isso, no Senado, a campanha aberta de Alcolumbre para se reeleger, em violação escancarada das normas constitucionais, paralisou a análise de projetos importantes. Alegando que só colocará em votação matérias em que houver “consenso” entre os senadores, estão parados textos já aprovados na Câmara, como o marco legal do gás e a atualização da Lei de Falências, e outros cuja tramitação começa no Senado, como os marcos do setor elétrico e ferroviário.
Cada projeto parado em meio a essas disputas internas de poder representa, no mínimo, uma oportunidade perdida. É o caso dos marcos legais, que poderiam destravar bilhões em investimentos extremamente necessários para alavancar a recuperação da economia brasileira, após a catástrofe da pandemia de Covid-19. Ou da revisão da Lei de Falências, necessária para aliviar um pouco o fardo de tantos empresários que não resistiram às medidas restritivas para conter o coronavírus. Mas especialmente preocupante é a paralisia das discussões sobre o orçamento. Nunca, desde a redemocratização, o Congresso tinha chegado a outubro sem a CMO instalada. A LDO já está atrasada; no papel, ela já teria de estar aprovada em julho, mas na prática isso quase nunca ocorre. Já houve ocasiões em que a LDO foi aprovada em dezembro, permitindo ao menos a realização dos gastos obrigatórios enquanto não se aprovasse a LOA. Se nem mesmo isso ocorrer, o país estaria em uma situação inédita e perigosa, pois, teoricamente, sem uma LDO para orientar o gasto público, nem mesmo as despesas obrigatórias poderiam ser realizadas.
Como afirmou nesta quinta-feira o colunista Fernando Schüler, o que falta em Brasília é “uma dose cavalar de senso de urgência” quanto ao que realmente importa no momento atual: aprovar as reformas, os marcos regulatórios, o Orçamento de 2021. Subordinar assuntos tão importantes à disputa entre grupos políticos é fazer refém um país empobrecido pela pandemia e que não pode esperar para voltar a crescer, com estímulo aos investimentos e responsabilidade fiscal.
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