O aumento da "cota por atividades parlamentares" e do auxílio-moradia na Câmara dos Deputados, e a PEC que acaba com os subtetos salariais no funcionalismo público demonstram que os parlamentares têm infinita criatividade para gastar em proveito próprio os recursos do contribuinte
É inesgotável a criatividade dos nossos representantes na hora de encontrar meios de torrar o dinheiro do contribuinte. As penúltimas notícias sobre o assunto vieram do lugar costumeiro na semana passada: a Câmara Federal, que não apenas aumentou em 12% a "cota por atividades parlamentares" e em 23% o auxílio-moradia dos deputados (de R$ 3 mil para R$ 3,8 mil), como também começa a discutir agora e promete votar no segundo semestre proposta de emenda constitucional (PEC) que acaba com o subteto salarial dos servidores públicos.
A primeira notícia vai tirar do nosso bolso pelo menos R$ 22 milhões por ano, valor que suas excelências empregarão para pagar despesas com passagens aéreas, telefone, serviços postais, assinatura de publicações, combustíveis e lubrificantes, entre outras. O aumento foi justificado pela Mesa da Câmara, presidida pelo notório deputado Henrique Alves: desde 2009 os valores não eram reajustados.
Alves foi eleito presidente da Câmara em fevereiro último sob protestos e críticas ao seu passado, na mesma ocasião em que Renan Calheiros igualmente notório pelas peripécias nada éticas foi escolhido por seus pares para presidir o Senado. Ambos, Alves e Calheiros, tentaram dar um lustro nas biografias inaugurando suas gestões com o anúncio da aprovação do projeto que acabava com o pagamento do 14.º e 15.º salários dos deputados e senadores.
O alegado respeito ao dinheiro do contribuinte e o suposto esforço de restaurar a moralidade no Congresso não duraram por muito tempo o que só serve para demonstrar que até as exceções fazem parte da regra: o dinheiro que deixou de sair do cofre por uma porta saiu (pelo menos em parte) por outra. O resultado da soma, portanto, foi quase igual a zero.
Não bastasse a "bondade" que se concedeu aos deputados, há outra em via de acontecer e que vai beneficiar muito mais gente e custar muito mais caro ao país. Trata-se da PEC que extingue o subteto salarial, como mostrou reportagem publicada pela Gazeta do Povo na sexta-feira passada. Pela legislação atual, nenhum servidor público pode ganhar tanto quanto ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente R$ 28 mil mensais. Mesmo os servidores aposentados não podem somar seus proventos a salários que eventualmente continuem percebendo no serviço público se, desta soma, resultar valor maior do que o subteto permitido.
A generosa PEC acaba com tais limites, de tal modo que todos os funcionários, estaduais ou municipais, não mais terão seus vencimentos atrelados aos salários do prefeito ou do governador, respectivamente. O vencimento de ministro do STF passaria a ser o único teto salarial do funcionalismo. Com isso, uma lei ordinária poderia tornar o salário de um funcionário público municipal igual ao de um magistrado do STF e superior ao de prefeito e governador.
Não há, pois, limites razoáveis e justos quando se trata de legislar sobre matérias que, direta ou indiretamente, dizem respeito aos próprios deputados e senadores, que sempre se mostram ligeiros na criação ou no sustento de uma casta de cidadãos, apartada da realidade em que vive a grande maioria da população brasileira, desprovida de quaisquer privilégios. A mesma ligeireza não é notada quando se trata de debater, votar e aprovar leis do mais real e amplo interesse público.