Gerenciar (ou ter, para usarmos um termo mais próximo da realidade) um partido político no Brasil é um grande negócio. Basta superar um desafio inicial para recolher um certo número de assinaturas, e um cacique partidário ou líder personalista tem abertas as portas a um mundo mágico onde o dinheiro flui livremente na forma de fundos bilionários e onde o apoio parlamentar muitas vezes tem seu preço bem definido. É bem verdade que, mais recentemente, algumas mudanças como a instituição da cláusula de desempenho limitaram um pouco a farra, mas em muitos outros aspectos a vida segue tranquila para partidos grandes ou pequenos – seja os que não passam de aglomerações de políticos cuja lealdade está à venda, os que não são mais que a face institucional de projetos políticos pessoais, ou mesmo aqueles que fazem mais jus ao nome e efetivamente têm personalidade ideológica definida e representatividade popular.
Um exemplo de como os partidos vivem em um mundo à parte está em levantamento recente feito pelo jornal O Estado de S.Paulo: todas as legendas do país, somadas, devem R$ 84 milhões aos cofres públicos – pouco menos de 30% dessa dívida é responsabilidade do PT, que deve R$ 23,6 milhões; em um distante segundo lugar vem o Democratas (R$ 6,5 milhões), seguido de perto por MDB e PDT, ambos também devendo pouco mais de R$ 6 milhões. Ainda que alguém alegue que os números não chegam a ser vultosos, o problema não é este: o acinte está no fato de se tratar de entidades bancadas quase que exclusivamente com dinheiro público para promover interesses particulares – a difusão do seu ideário (quando há um) e a busca e a manutenção do poder por meio de mandatos eletivos.
A legislação não prevê punição alguma a legendas caloteiras, que continuam liberadas para receber dezenas de milhões de reais do Fundo Partidário e do fundão eleitoral
Um destaque todo especial tem de ser dado ao petismo, não apenas por ser o maior dos devedores, mas também pela especial hipocrisia que fica evidente quando se analisa o tipo de dívida acumulada pelo partido, cujos militantes já chegaram a fazer vaquinhas para pagar multas de chefões condenados pela Justiça. A legenda que se diz defensora intransigente dos direitos do trabalhador, que se opõe a qualquer modernização da legislação trabalhista ou previdenciária, deve R$ 16,4 milhões à Previdência Social. Sobrou calote até para o FGTS – são R$ 135 mil não recolhidos por diretórios estaduais ou municipais, cujos gestores atuais são céleres em culpar antecessores. Ora, se os responsáveis são conhecidos, não custa perguntar o que terá sido feito de presidentes e tesoureiros de diretórios que deixam na mão seus funcionários – os trabalhadores que os petistas dizem representar, a ponto de colocá-los no nome do partido – ao não recolher o Fundo de Garantia e a contribuição previdenciária...
A vergonha é ainda maior quando se sabe que nenhum desses partidos tem estímulo algum para quitar seus débitos. A legislação não prevê punição alguma a legendas caloteiras, que continuam liberadas para receber dezenas de milhões de reais do Fundo Partidário e do fundão eleitoral – o dinheiro, aliás, nem pode ser usado para pagar, por exemplo, multas impostas pela Justiça Eleitoral, que no caso do PT somam R$ 5,1 milhões –, fora o acesso a tantas outras benesses como o tempo de propaganda partidária em rádio e televisão.
Eis, novamente, a grande distorção da vida partidária nacional. O problema brasileiro não é o excesso de partidos em si; pelo contrário, criar um partido deveria ser um processo muito mais simples – desde que cada legenda, da menor à maior, tivesse de sobreviver apenas com recursos próprios, vindos de contribuições de seus filiados e daqueles que simpatizam com seu ideário ou com determinado candidato. Sem um único centavo de dinheiro público, sem nenhum privilégio em relação a outras entidades ou pessoas jurídicas, tendo de prestar contas não apenas aos eleitores, mas também aos apoiadores. Enquanto não houver esta mudança radical, os partidos continuarão vivendo em um mundo à parte, longe do cidadão (um ser útil apenas a cada dois anos) e da lei, nadando em dinheiro do contribuinte brasileiro enquanto acumulam dívidas que não fazem a menor questão de pagar.