A abertura de processo disciplinar contra Clayton Camargo mostra que homens públicos não podem dispor do Estado a seu bel-prazer, sem prestar contas ou sem ser investigados quando há indícios de malfeitos

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em uma decisão que já pode ser considerada histórica para o Judiciário paranaense, determinou ontem que o desembargador Clayton Camargo, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, seja afastado do cargo; o CNJ ainda decidiu pela abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra Camargo para investigar as denúncias que pesam contra o magistrado.

Camargo tentou, a todo custo, evitar os acontecimentos de ontem. Em setembro, resolveu pedir sua aposentadoria ao TJ, que aceitou o pedido quase imediatamente. Ao sair da ativa, havia a possibilidade de Camargo conseguir a extinção da denúncia que estava nas mãos do CNJ. Mas, graças a um pedido do Ministério Público Federal, o CNJ suspendeu a aposentadoria de Camargo, apoiado em uma resolução do próprio Conselho. Vendo frustrada a tentativa de aposentadoria, Camargo recorreu ao Supremo Tribunal Federal para garantir o que julgava ser seu direito, mas o ministro Dias Toffoli negou, anteontem, o pedido de liminar, abrindo caminho para a decisão de ontem do CNJ.

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O voto do corregedor do CNJ, Francisco Falcão, revela a extensão e a gravidade das denúncias contra Clayton Camargo: transações suspeitas envolvendo imóveis e um automóvel, gerando variação patrimonial incompatível com os rendimentos do desembargador; tráfico de influência na eleição de seu filho, o ex-deputado estadual Fabio Camargo, para um posto de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado; e participação em casos de venda de sentenças. Referindo-se à suposta evolução patrimonial incompatível com as funções exercidas por Camargo, Falcão afirmou que se trata de "condutas que, consideradas em seu conjunto, indicam perfil de comportamento que não é o esperado de magistrado, mormente em se tratando de presidente de Tribunal de Justiça, gestor de recursos públicos por excelência". Falcão ainda acrescentou que, "ainda que se demonstre que não houve fraude, nem conduta criminosa, existe um fato que, por si só, justifica o aprofundamento das investigações por parte desta Casa correcional", referindo-se à "evolução patrimonial injustificada do magistrado com altos valores a descoberto, por vários anos seguidos".

É sintomático o fato de todos os outros 13 conselheiros terem seguido o voto de Falcão. Afinal, são denúncias graves demais para que não se procedesse a uma apuração minuciosa das informações fornecidas pelo Ministério Público e pela Receita Federal. E o próprio Dias Toffoli, ao negar a liminar pedida por Camargo, explicou que, se o magistrado é realmente inocente, como afirma, a investigação deveria ser de seu máximo interesse: "Ao invés de desejar recolher-se à inatividade remunerada, [Camargo] deveria ser o principal interessado em vê-los [os fatos] cumpridamente elucidados, quando menos em respeito à dignidade do elevado cargo de presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que um dia exerceu". Se o caso fosse varrido para debaixo do tapete, sempre restaria a dúvida sobre a lisura do desembargador.

Também é de suma importância o fato de Falcão ter mencionado, em seu voto, a denúncia de tráfico de influência na eleição de Fabio Camargo para o TCE, denúncia essa que é objeto de ação em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se as supostas práticas ilícitas do desembargador contaram com a participação de outras pessoas, não é justo que o ex-presidente do TJ tenha de pagar sozinho o preço de seus atos. A moralização da vida pública do nosso estado, um processo que já vem de alguns anos, ganharia um impulso considerável com a saída de quaisquer outras figuras que tenham participado dos supostos delitos de Camargo.

Como dissemos no início, a decisão do CNJ é histórica. A abertura do PAD não significa automaticamente a condenação de Camargo, mas, independentemente do resultado final, não apenas o Judiciário, mas todo o Paraná sai ganhando com a atuação do CNJ. Ela indica que não há mais espaço para coronéis na política paranaense. Que homens públicos não são proprietários do Estado, do qual podem dispor a seu bel-prazer, sem prestar contas à população ou sem ser investigados quando há indícios de malfeitos. Quando esta convicção estiver profundamente enraizada, teremos o Paraná que os cidadãos desejam.