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Editorial

Paulo Guedes, o Banco Central e o risco fiscal

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em foto de 2019. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Em todos os seus comunicados recentes após as reuniões do Copom, o Banco Central vem alertando para um “risco fiscal” decorrente do abandono das políticas de austeridade. Mesmo depois de passada a emergência da pandemia, que fez o governo gastar centenas de bilhões de reais a mais que o previsto em 2020 com medidas importantes e necessárias como o auxílio emergencial, a ajuda às pequenas empresas e as compensações no programa de manutenção do emprego, os gastos continuaram aumentando enquanto reformas importantes como a administrativa ficaram estagnadas. Na segunda-feira, em entrevista a uma rádio gaúcha, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o BC “cometeu alguns erros” ao manter o tom alarmista ao longo de 2021, já que o ano acabou melhor que o imaginado.

Apesar da crítica, Guedes fez uma série de elogios ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, e atenuou suas observações até por saber que, no fim das contas, estão ambos do mesmo lado. O alarmismo, de acordo com o ministro, não tem nada do “quanto pior, melhor” dos adversários do governo; seria um “erro técnico” causado pela tendência de olhar apenas para um lado da questão – “o BC estava preocupado com o fiscal e eu com o juro negativo”, disse Guedes, acrescentando que “o BC errou por não perceber que mudamos o eixo da economia. O BC errou ao falar o tempo todo em risco fiscal, desajuste fiscal, quando íamos para superávit”. Mas, ao focar apenas o resultado, também o ministro acaba cometendo o mesmo equívoco que ele atribui ao Banco Central, pois houve e continua havendo motivos muito justificados para os alertas da autoridade monetária.

Negar o “risco fiscal” apoiando-se em resultados que, embora louváveis, devem-se a mais receita e não a menos despesa é dar chance para que o risco se transforme em uma triste realidade

Para começar, o superávit primário de 2021, o primeiro desde 2013, foi possível apenas graças ao desempenho expressivo de estados e municípios, pois o resultado da União, embora bem melhor que o esperado, ainda foi um déficit primário de R$ 35,1 bilhões. Além disso, não houve redução substancial na despesa do governo em relação a 2020, descontando-se a inflação e sem considerar os gastos com a pandemia, que foram muito maiores em 2020 e introduziam uma distorção nas comparações. É bem provável que neste ano também o governo central registre superávit primário – meses atrás, imaginava-se que isso só ocorreria em 2025 –, mas a União só voltará ao azul graças a receitas extraordinárias, como a antecipação de dividendos de estatais, e ao crescimento na arrecadação. O problema (e o risco de que tanto fala o Banco Central) está no outro lado, o da despesa.

Mesmo deixando-se de lado toda a despesa extraordinária com as medidas de combate à Covid e a seus efeitos na economia, o Estado brasileiro está inflando os seus gastos quando deveria estar trabalhando para reduzi-los. Uma combinação de imoralidades como o fundão eleitoral e as emendas de relator, gambiarras como a PEC dos Precatórios e benefícios como o Auxílio Brasil de R$ 600 estão pressionando o único mecanismo que preserva alguma austeridade fiscal no país, o teto de gastos. Em alguns casos, governo e Congresso concordaram com “puxadinhos” que desmoralizam o teto, burlando-o na prática, mesmo que com endosso legal. A própria existência do teto, a julgar pelo discurso de alguns candidatos à Presidência da República, corre risco. Tudo isso cria, sim, um “risco fiscal” já percebido pelo mercado, que cobra juros mais altos para emprestar dinheiro ao Tesouro, consequência de uma menor confiança na solidez fiscal do país – “saúde fiscal”, aliás, costuma ser um dos itens em que o Brasil sempre amarga os últimos lugares no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation.

O Brasil tem um ministro da Economia e um presidente de Banco Central com inquestionáveis credenciais liberais, algo que só beneficia o país. O trabalho de ambos é parte das razões pelas quais estamos elevando as previsões de crescimento e reduzindo as estimativas de inflação, enquanto no resto do mundo ocorre o contrário. Mas não podemos perder de vista que o futuro traz uma série de desafios e bombas-relógio fiscais que não estão sendo desarmadas. Despesas novas são incorporadas ao orçamento sem que imoralidades, desperdícios, gastos ineficientes ou redundantes sejam eliminados, e sem que reformas como a administrativa sejam realizadas, de forma a racionalizar o gasto público. Negar o problema apoiando-se em resultados que, embora louváveis, devem-se a mais receita e não a menos despesa é dar ao “risco fiscal” a chance de se tornar uma triste realidade.

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