Em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito com uma pauta apoiada em três pilares principais: a defesa de pautas morais caras ao brasileiro, o combate à corrupção e à violência urbana, e o liberalismo econômico, com reformas que seriam comandadas por Paulo Guedes, anunciado como futuro ministro ainda durante a campanha. A vitória de Bolsonaro trouxe grande expectativa, já que, depois de décadas de estatismo, o ideário liberal chegava ao poder, mas o choque de realidade foi grande: as privatizações caminharam a passos lentíssimos, a reforma da Previdência foi desidratada no meio do caminho, o gasto público segue em expansão e Brasília continua acreditando que o dinheiro não acabará nunca.
Em entrevista ao jornal O Globo, Guedes reconheceu que fazer do Brasil um país economicamente livre está sendo muito mais trabalhoso do que se imaginava durante a campanha, na transição e no início de governo. “Estou tendo que lutar dez vezes mais do que eu pensei que fosse lutar”, disse, afirmando que tinha “uma fé um pouco ingênua de que tudo seria muito mais rápido e de que as transformações seriam muito mais profundas”, mas que agora está “recalibrando tudo um pouquinho para baixo”. O ministro apontou os focos de resistência e, apesar de ressaltar que nos momentos-chave teve e tem o respaldo do presidente Bolsonaro, também lembrou que o Executivo às vezes acabou mais atrapalhando que ajudando e, hoje, está “65%” comprometido com a agenda liberal.
A ideologia de esquerda é apenas parte das resistências; há, também, o corporativismo e os interesses de quem gosta de trocar indicações em estatais por apoio político
Girar o transatlântico brasileiro do estatismo para o liberalismo exige mudanças profundas de mentalidade e de práticas arraigadas em Brasília. Os três poderes deram mostras suficientes da dificuldade de realizar esta guinada nestes quase dois anos e meio de governo Bolsonaro. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, botou entraves às privatizações e impediu o poder público de, em momentos de crise fiscal profunda, reduzir salários e jornada de servidores. O Congresso Nacional desvirtuou a reforma da Previdência, que não ficou tão igualitária quando deveria, acabou de desidratar a PEC Emergencial e aprovou um Orçamento impossível de cumprir. O próprio Bolsonaro, em várias ocasiões, cedeu ao corporativismo, especialmente na defesa de regras mais suaves para as forças de segurança, flertou com gambiarras orçamentárias ao tentar bancar o Renda Cidadã e acabou se aliando a um Centrão mais conhecido por defender seus próprios interesses que por ter credenciais inequivocamente reformistas.
Apesar da crítica velada feita por Guedes a Salim Mattar, o ex-secretário de Desestatização que pediu demissão em 2020, há de se reconhecer que Mattar havia feito um diagnóstico certeiro ao afirmar, após sua saída, que “o establishment composto diretamente pelos empregados públicos, sindicatos, fornecedores, comunidades, políticos locais, partidos de esquerda e lideranças políticas tem sido uma barreira natural para a privatização” – e não só para ela. A ideologia de esquerda, que perpetua o atraso ao defender o protagonismo do Estado na economia, é apenas parte das resistências; muitos outros políticos, em outras áreas do espectro ideológico, estão comprometidos com o já mencionado corporativismo ou têm algo a perder com privatizações que lhes retirarão o autoproclamado “direito” de fazer indicações para cargos em estatais.
“O trabalho tem de ser muito maior para um resultado menor. Talvez essa seja a experiência de todo mundo que já passou pelo governo um dia”, disse o ministro na entrevista, reconhecendo ainda que “quem manda é a política”, com todo esse conjunto de interesses que muitas vezes se chocam com a defesa de mais liberdades e menos Estado. Ainda que se reconheça todas as dificuldades do jogo político e os problemas adicionais trazidos pela pandemia, o saldo da primeira metade do mandato deixou a desejar mesmo em comparação com expectativas bem mais realistas que as do início do mandato. A reforma da Previdência, a Lei de Liberdade Econômica, marcos regulatórios e a independência do Banco Central são legados importantes, mas ainda há muito a avançar. Se o ministro agora compreende melhor como Brasília funciona, que saiba aplicar esse conhecimento em favor da pauta liberal e do reerguimento da economia brasileira, destruída pela pandemia, mas também pela gastança desenfreada e pelo estatismo.