A reação de todos aqueles interessados em inviabilizar o combate à corrupção chegou a um ponto culminante com a anulação das ações da Lava Jato contra o ex-presidente Lula em Curitiba e com a manutenção da suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro, no que foi ao mesmo tempo uma enorme injustiça e uma aberração jurídica ao se manter um recurso impetrado dentro de um processo considerado nulo. Mas a vingança dos corruptos, na certeira expressão do ministro Luís Roberto Barroso, está muito longe de terminar. Ela teve mais um episódio nesta terça-feira, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou parecer pela admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição 5/2021, de autoria de Paulo Teixeira (PT-SP) e que pretende mudar a composição do Conselho Federal do Ministério Público (CNMP) – uma manobra concebida para ampliar o ataque à Lava Jato, mas que tem repercussões muito mais amplas, ajudando também a amarrar membros do MP empenhados em combater a corrupção no futuro.
A composição do conselho, que tem entre suas tarefas punir membros do Ministério Público que cometam erros e irregularidades no exercício da função, está descrita no artigo 130-A da Constituição: ele é formado por 14 membros, sendo oito deles integrantes do MP (incluindo o procurador-geral da República) e indicados pelos vários ramos do órgão; STF e STJ indicam um membro cada, necessariamente um juiz; a OAB indica dois advogados; e, por fim, “dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada” são indicados um pela Câmara e outro pelo Senado – todos eles com mandatos de duração fixa. Um dos oito membros oriundos do MP ainda assume a função de corregedor nacional, responsável por receber denúncias e fazer uma apreciação inicial antes de submetê-las ao conselho.
A “PEC da Vingança” aumenta a influência de eventuais investigados e réus no conselho que trata de avaliar as ações dos agentes encarregados de investigar atos de corrupção, entre outros crimes
A PEC 5 quer alterar essa composição, permitindo a Câmara e Senado, alternadamente, indicar um nome adicional para o conselho, desde que membro de algum dos ramos do MP. Além disso, STF e STJ poderiam indicar seus próprios ministros para o conselho; e, por fim, seria abolida a exigência de o corregedor nacional ser um dos integrantes indicados pelo Ministério Público – o relator da PEC na CCJ, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), alertou para o fato de que a redação da proposta abriria margem até mesmo para que o corregedor não necessariamente pertencesse ao CNMP.
A mudança, à primeira vista, parece extremamente sutil; afinal, continuaria a haver oito membros do MP entre os 14 integrantes do CNMP, mas há um pulo do gato ao tirar uma dessas oito indicações das mãos do próprio MP, passando-a para o Congresso Nacional. O histórico recente mostra que parte da perseguição a que os procuradores da (hoje extinta) força-tarefa da Lava Jato vêm sendo submetidos no conselho provém justamente dos indicados pelo Poder Legislativo, que ignoram até mesmo o caráter de prova ilícita dos supostos diálogos invocados por esses conselheiros como razões para a abertura de sindicâncias. Na prática, trata-se de aumentar a influência de eventuais investigados e réus no conselho que trata de avaliar as ações dos agentes encarregados de investigar atos de corrupção, entre outros crimes. Não à toa o projeto ganhou o apelido de “PEC da Vingança”.
O parecer de Costa Filho não se debruçou tanto sobre o mérito da PEC, avaliando apenas que os aspectos formais estão cumpridos e que o texto é constitucional (o que já é controverso, pois a PEC rompe uma simetria entre as composições do CNMP e do Conselho Nacional de Justiça). Ainda assim, uma rejeição na CCJ já teria colocado um fim na pretensão vingativa dos patrocinadores da PEC, capitaneados por um integrante do partido de Lula. Não foi o que ocorreu, no entanto: a PEC avançou com o voto favorável de 37 deputados de uma ampla coalizão que incluiu petistas, o Centrão e bolsonaristas. Posicionaram-se contra o projeto apenas Novo, Podemos, Pros, PSB, PSDB, Psol e Rede.
A justificativa do projeto menciona uma “certa sensação de corporativismo e de impunidade em relação aos membros do Ministério Público que mereçam sofrer sanções administrativas por desvios de conduta”. No entanto, tal impressão não procede. Associações de procuradores têm lembrado que o CNMP é bem mais rigoroso que o CNJ em termos de procedimentos instaurados e punições aplicadas, tanto em números absolutos quanto em proporção dos membros das respectivas carreiras – e, mesmo assim, não há propostas semelhantes para alterar o CNJ. Aliás, o rigor do CNMP é tanto que já desembocou em injustiça, como no caso do ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol, punido por exercer seu direito constitucional à liberdade de expressão.
Não se trata, portanto, de coibir “corporativismo” ou “impunidade”, mas simplesmente de aumentar a pressão sobre procuradores e promotores. Os membros do MP já estão sendo tolhidos por uma absurda Lei de Abuso de Autoridade, e com a aprovação da PEC 5 correriam mais risco de acabarem punidos também no CNMP – não por cometerem reais irregularidades, mas por desagradar os políticos que indicam parte do conselho. Não há como ignorar que a proposta capitaneada por Paulo Teixeira, que tramita velozmente apesar de o país ter tantas outras prioridades, mira na equipe da Lava Jato, mas suas consequências são muito mais nefastas, atingindo a própria independência do Ministério Público em sua atuação em prol da sociedade brasileira.
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