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Jaques Wagner em sessão do Senado de 15 de agosto de 2024.
Jaques Wagner, líder do governo no Senado, afirmou que PEC da Anistia não representava anistia nenhuma, mas texto do projeto aprovado afirma outra coisa.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O PT de Lula, o PL de Jair Bolsonaro e o Centrão se uniram no Senado, assim como já haviam juntado forças na Câmara, para aprovar uma mudança constitucional que trata de um dos poucos temas capazes de provocar tamanha camaradagem ao longo de todo o espectro partidário brasileiro: medidas em causa própria. Os 51 votos no primeiro turno e 54 votos no segundo (o mínimo necessários era de 49) garantiram que a PEC da Anistia dependa apenas de promulgação em sessão do Congresso para que passe a vigorar.

O espetáculo de hipocrisia para justificar a proposta e a maneira como ela tramitou no Senado também foi suprapartidário. Em julho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometera que não haveria “nenhum tipo de açodamento” na tramitação, mas o texto passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em 14 de agosto, e no dia seguinte já foi submetido às duas votações em plenário. Os líderes da oposição e do governo defenderam a proposta: “vejo essa PEC como inteligente, viável e que vai ao encontro daquilo que nasceu no Tribunal [Superior Eleitoral]”, disse Marcos Rogério (PL-RO), enquanto Jaques Wagner (PT-BA) tentava argumentar que “não se trata de anistia partidária”.

Os partidos podem burlar as regras e até cometer crimes eleitorais, e ainda assim terão a chance de usar recursos tirados do bolso do pagador de impostos brasileiro para acertarem suas contas

Ambos, obviamente, estão errados. O TSE, em 2020, determinara que o financiamento das campanhas deveria ser proporcional ao número de candidaturas negras – uma regra que, é bem verdade, não passou pelo parlamento, tratando-se de ativismo judicial da corte eleitoral, mas esta é outra discussão –, e a PEC recém-aprovada determina que os partidos não poderão ser cobrados caso tenham descumprido essas contas. Anistia, portanto, ao contrário do que disse Jaques Wagner; e desafio aberto à regra estabelecida pelo TSE, ao contrário do que disse Marcos Rogério. A alteração constitucional prevê que os partidos usem, nos próximos quatro pleitos, os recursos que não destinaram aos candidatos negros no passado, mas isso não atenua o fato de os partidos estarem sendo isentos de responsabilização.

E a anistia não se resume aos casos de violação da regra de cotas: ela ainda cria condições extremamente camaradas para que os partidos renegociem outros tipos de multas e débitos (passados e até mesmo futuros) em uma espécie de “Refis dos partidos” – “PEC do Refis”, aliás, era o nome mais asséptico que Davi Alcolumbre (União-AP), presidente da CCJ, queria dar ao projeto. Ainda há uma série de outras multas ou dívidas passíveis de anistia ou anulação, e parte do que sobrar pode ser pago até mesmo com dinheiro do Fundo Partidário, incluindo multas por caixa dois. Em resumo, os partidos podem burlar as regras e até cometer crimes eleitorais, e ainda assim terão a chance de usar recursos tirados do bolso do pagador de impostos brasileiro para acertarem suas contas.

Enquanto o cidadão comum e os proprietários de empresas precisam se esforçar ao máximo para cumprir as leis e suas obrigações, inclusive com o Fisco, estando sujeitos a diversos tipos de punições caso pisem um milímetro fora da linha, quem pode legislar ou julgar em causa própria o faz sem pestanejar, ainda por cima defendendo publicamente seus atos como se não houvesse nada de errado em seu modo de agir. A PEC da Anistia acrescenta mais um absurdo à coleção já bastante ampla de demonstrações de descolamento total – melhor seria dizer “desprezo” – das elites encasteladas em Brasília em relação ao brasileiro que as sustenta.

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