Pouquíssimas coisas unem tanto a esquerda, a direita e o centro no Congresso Nacional quanto a possibilidade de legislar em benefício próprio. Essa verdade da política nacional foi demonstrada mais uma vez na Câmara dos Deputados, que aprovou com certa folga a PEC da Anistia na quinta-feira, dia 11: foram 344 votos favoráveis e 89 contrários na primeira votação, e 338 a 83 na segunda – são necessários 308 deputados para a aprovação de emendas constitucionais. Apenas o Novo e o PSol votaram em bloco contra a proposta; o PT de Lula contribuiu com 56 votos “sim”, 4 “não” e uma abstenção no primeiro turno; o PL de Jair Bolsonaro se mostrou mais dividido, mas ainda assim entregou 47 votos “sim”, contra 30 “não” na primeira votação.
O principal objetivo da PEC da Anistia é livrar todos os partidos de multas acumuladas pelo descumprimento de regras referentes à distribuição de recursos a candidaturas de mulheres e negros em eleições anteriores – regras, é preciso dizer, que não foram decididas pelo Congresso Nacional, mas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fiel à tradição de ativismo judicial dos tribunais superiores. Isso, no entanto, não serve de desculpa; se os partidos julgavam excessivas as exigências do TSE, deveriam ter feito seu trabalho e legislar sobre o tema, em vez de simplesmente desobedecer as resoluções da corte e articular, depois, um perdão generalizado que pode livrar as legendas de desembolsar R$ 23 bilhões.
Se os partidos julgavam excessivas as exigências do TSE, deveriam ter legislado sobre o tema, em vez de simplesmente desobedecer as resoluções da corte e articular, depois, um perdão generalizado
A anistia aprovada pelos deputados traz consigo alguns benefícios adicionais, como a instituição de um equivalente ao Refis para que as legendas negociem o pagamento, com prazos alongados e condições camaradas, de suas pendências com a Justiça Eleitoral. E o pagamento poderá ser feito com recursos do Fundo Partidário e do bilionário megafundo eleitoral. Em outras palavras: dinheiro do contribuinte servirá para os partidos pagarem até mesmo multas por caixa-dois. Parlamentares defensores da medida argumentam que isso seria necessário para manter a viabilidade financeira dos partidos – embora fosse muito mais simples cumprir as regras, não usar caixa-dois nem cometer outras irregularidades passíveis de multas.
Para que o acinte não fosse amplo, geral e irrestrito, os deputados até concordaram em obrigar os partidos a gastar com candidaturas de negros em 2026 o valor que deixaram de usar no passado. Além disso, as legendas também terão de destinar a essas candidaturas pelo menos 30% do valor do fundo eleitoral – o pulo do gato está no fato de não haver mais nenhuma outra regra a esse respeito: o dinheiro poderá ir todo para um único candidato, por exemplo. A cereja no bolo da PEC da Anistia é o afrouxamento de regras de prestação de contas, com os partidos não sendo mais obrigados a apresentar determinados tipos de recibos de transferência bancária a candidatos.
Esta anistia, como lembram entidades de combate à corrupção, não é a primeira que o Congresso se concederá, caso passe pelo Senado – e muito provavelmente não será a última. Ela é mais uma prova do completo absurdo das regras brasileiras de financiamento de campanha, que na prática instituíram um modelo baseado quase que exclusivamente em recursos públicos. Dinheiro tirado dos brasileiros, para bancar partidos, pessoas e plataformas que muitas vezes os contribuintes desprezam, e sobre o qual as legendas não querem nem mesmo prestar contas. Partidos e campanhas deveriam ser financiados apenas pelos seus filiados e apoiadores, jamais com recursos que seriam muito melhor empregados em outras áreas.