Na noite de terça-feira, o Senado realizou as duas votações necessárias para a aprovação da PEC das Drogas, que passou com maioria relativamente apertada: eram necessários ao menos 49 senadores favoráveis, e o texto teve o apoio de 53 parlamentares na primeira votação e 52 na segunda. A resistência, no entanto, foi pequena: nove senadores contrários nas duas votações. Por fim, um quarto do Senado nem compareceu à votação. Agora, a PEC segue para a Câmara dos Deputados, onde também precisará do apoio de três quintos da casa (308 deputados) e, especialmente, de Arthur Lira (PP-AL), que controla a pauta da Câmara e pode acelerar ou retardar a tramitação.
A PEC insere um novo inciso, o LXXX, no artigo 5.º da Constituição, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos e constitui cláusula pétrea. O novo inciso prevê que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”. Com isso, ficariam fechadas as portas para qualquer tentativa de descriminalização ou legalização das drogas no Brasil. As referências à distinção entre traficante e usuário e às penas alternativas para este último, que já existem na atual Lei de Drogas, foram um acréscimo do relator na CCJ para consolidar o apoio ao texto.
É o ativismo judicial desmedido do Supremo que força o Congresso a soluções que não são as ideais, mas são a única forma de fazer prevalecer o que o legislador já havia decidido
A proibição das drogas é medida bastante razoável para qualquer um que seja capaz de perceber o grande mal que elas fazem ao indivíduo e à sociedade. Mesmo a maconha, tida por “inofensiva” em comparação com drogas como o crack, é comprovadamente daninha, como bem atesta a literatura médica que os ideólogos fazem questão de ignorar quando a “ciência, ciência, ciência” não lhes convém. Dito isso, mesmo quem é visceralmente contrário à legalização ou a descriminalização das drogas pode estranhar a escolha da Constituição Federal e, mais especificamente, do artigo 5.º para cristalizar o “não” da sociedade brasileira, por meio de seus representantes eleitos, aos entorpecentes. Idealmente, a Carta Magna – e ainda mais um artigo sobre garantias e direitos individuais – não seria lugar para definir o que é ou não é crime; é exatamente para isso que existe o Código Penal. Mas, também idealmente, o Poder Judiciário não teria a pretensão de tomar o lugar do Poder Legislativo e escrever ou reescrever legislação de acordo com as convicções de seus integrantes. É exatamente isso, no entanto, o que está acontecendo.
Afinal, no caso das drogas não existe nem mesmo a tal “omissão” que o STF vive alegando – muito indevidamente, diga-se de passagem – para usurpar a tarefa de legislar. Os parlamentares já se pronunciaram sobre o status legal da posse, do porte e da venda e compra de drogas na legislação aprovada em 2006. Já afirmaram que deve ser feita uma diferenciação entre usuários e traficantes, e já determinaram que penas devem ser aplicadas a eles. Afirmaram, ainda, que cabe às autoridades analisar cada caso específico para determinar quando se trata de uso pessoal e quando se trata de tráfico, por considerar a necessidade de levar em conta várias circunstâncias, e não apenas a quantidade de droga que a pessoa tem consigo ao ser presa. Podemos admitir que a lei possa estar sendo mal aplicada, com situações idênticas tendo desfechos diferentes dependendo de fatores que não deveriam estar em jogo. Mas a resposta ao problema seria um aprimoramento da prática, e não o que o STF se propôs a fazer: a corte está a apenas um voto de derrubar um trecho da Lei de Drogas, além disso reescrevendo-a para inserir nela um critério puramente quantitativo para a distinção entre usuário e traficante.
É o ativismo judicial desmedido do Supremo, portanto, que força o Congresso a soluções que não são as ideais, mas são a única forma de simplesmente fazer prevalecer o que o legislador de 2006 já havia decidido. Se os ministros da suprema corte não se derem conta do quão absurda é sua pretensão de serem legisladores sem mandato popular, se não partirem para a autocontenção, recusando ações muitas vezes movidas por partidos que não têm representatividade para vencer no parlamento e desejam um “terceiro turno” no STF, a tendência é vermos cada vez mais PECs desse tipo. A Constituição acabará inflada para conter todas as leis que o STF deseja derrubar não por serem inconstitucionais, mas por contrariarem as convicções dos ministros – e não haverá como tirar razão dos parlamentares se recorrerem a esse modus operandi, caso ele se torne a única reação possível ao STF.
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