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PEC dos precatórios
Congresso nacional promulgou trecho da PEC dos precatórios que viabiliza o Auxílio Brasil de R$ 400| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Como o Senado havia aprovado a PEC dos Precatórios com algumas alterações significativas em comparação com o texto recebido da Câmara, o curso normal do texto seria uma nova tramitação para que os deputados referendassem ou rejeitassem as mudanças feitas pelos senadores. Em vez disso, um acordo entre os presidentes das duas casas – o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – “fatiou” a PEC: a parte que havia sido aprovada na Câmara e mantida intacta pelo Senado já foi promulgada; caberá à Câmara, na próxima semana, analisar apenas os trechos inseridos pelos senadores, que ficaram na outra fatia.

Não foram poucos os senadores revoltados com a manobra dos dois presidentes. Eles centraram suas críticas em Pacheco, que, de acordo com esses parlamentares, havia se comprometido a não desmembrar a PEC, além de negociar com Lira a manutenção, na Câmara, dos trechos inseridos pelo Senado. Durante a sessão em que houve a promulgação, Pacheco chegou a se exaltar, dizendo que não havia feito compromisso algum. O presidente do Senado defendeu o fatiamento alegando que era preciso garantir o quanto antes o espaço orçamentário para que o governo pague o Auxílio Brasil nos termos desejados para 2022, com benefício de R$ 400 mensais.

O estrago maior já está feito, mas a Câmara ainda pode colocar a cereja no bolo da irresponsabilidade da PEC dos Precatórios

A fatia promulgada na quarta-feira, no entanto, ainda não garante totalmente o benefício da forma sonhada pelo Planalto. O “coração” da proposta está sacramentado: calote em parte dos precatórios que deveriam ser pagos em 2022 por ordem judicial e que ficarão para depois, e alteração nos parâmetros de cálculo do reajuste do teto de gastos. Com isso, serão liberados de R$ 62 bilhões a R$ 65 bilhões – a Câmara e o Ministério da Economia têm estimativas divergentes. Mas, desse valor, a conta do Ministério da Economia envia R$ 42,7 bilhões para outros gastos obrigatórios como correções de benefícios do INSS e pisos constitucionais de investimento em saúde e educação. Sobrariam menos de R$ 20 bilhões, que não bastam para bancar todo o Auxílio Brasil – seria preciso ou cortar despesas no Orçamento de 2022, ou aprovar a segunda fatia da PEC.

A Câmara, dependendo do que decidir na semana que vem, pode abrir pouco mais de R$ 40 bilhões em espaço adicional no orçamento, além do que já está garantido. Seria mais que suficiente para custear o novo programa social do governo, e é aqui que reside a maior revolta dos senadores na sessão do dia 8. Desde que a PEC ainda estava em sua primeira passagem pela Câmara, governo e parlamentares já cobiçavam esse dinheiro para fins dos mais diversos: aumento do fundão eleitoral, benefício específico para caminhoneiros, reajuste para o funcionalismo e mais emendas de relator já apareceram como possíveis destinos dessas dezenas de bilhões de reais. O Senado, no entanto, “carimbou” essa folga, inserindo na PEC um dispositivo pelo qual o espaço adicional só poderia ser usado para o Auxílio Brasil, correção de outros benefícios ou compra de vacinas – esta solução ajudou a reverter o voto de senadores que eram contrários à PEC, mas aceitaram aprová-la com a condição de que ela não legitimasse novas farras com o dinheiro do contribuinte brasileiro. Entretanto, não há a menor garantia de que os deputados mantenham essa vinculação estabelecida no Senado.

O estrago maior já está feito: em vez de promover o ajuste fiscal e cortar gastos para bancar uma importante ajuda aos brasileiros mais vulneráveis, governo e Congresso escolheram inserir na Constituição o “devo, não nego, pago quando puder” e mostrar a todos que o teto de gastos está sujeito a gambiarras de conveniência. A Câmara ainda pode colocar a cereja no bolo da irresponsabilidade caso derrube o “carimbo” do Senado e permita o uso imoral do espaço adicional no orçamento. Mas, ainda que não o faça, fica mais distante o objetivo de recuperar a saúde fiscal do Brasil e, com isso, dar condições para uma queda na inflação, nos juros e no dólar. E gastos fora de controle são o caminho para que, mais cedo ou mais tarde, o desarranjo na economia seja tanto que auxílio nenhum será capaz de compensar.

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