Com as discussões sobre o futuro modelo de concessão dos pedágios no Paraná ainda em curso, uma quase unanimidade já se formou, principalmente entre sociedade civil organizada e setor produtivo do estado: o modelo híbrido proposto pelo governo federal não atende os anseios dos paranaenses. Após décadas de sofrimento com as tarifas mais altas do país – resultado da soma de contratos mal redigidos, voluntarismos governamentais e imbróglios judiciais intermináveis – e com a escassez de obras, a chance de reduzir significativamente esses custos, que matam a competitividade do estado, está prestes a ser perdida.
No modelo híbrido, a Agência Nacional de Transportes Terrestres propõe um valor máximo para cada praça de pedágio, já existente ou a ser construída durante a nova concessão, e as concessionárias interessadas disputarão o certame pela menos tarifa. No entanto, a ANTT também impôs um limite para o desconto a ser oferecido, ou seja, a tarifa não poderá baixar mais que o determinado pela agência, ainda que houvesse concessionárias dispostas a tal. Caso haja empate, com mais de uma empresa aceitando cobrar este valor mínimo, o critério seguinte seria a maior outorga, agora chamada de “aporte de valor” após o Ministério da Infraestrutura concordar que esses valores seriam revertidos não aos cofres de Brasília, mas a melhorias nas próprias rodovias.
O melhor modelo de disputa é aquele que deixa a competição fluir livremente entre os interessados em administrar as rodovias paranaenses, com garantias para a realização das obras necessárias e meios de impedir lances predatórios
No entanto, a licitação poderia muito bem premiar a concessionária que oferecesse as melhores tarifas, sem limites para os descontos sobre o valor-base propostos pela ANTT. Por que a agência não escolheu esse modelo? O primeiro argumento oferecido pelo governo federal foi a necessidade de se impedir que “aventureiros” vençam o leilão propondo tarifas irreais e sejam incapazes de realizar as melhorias previstas no contrato. Embora essa seja uma preocupação pertinente, há uma série de meios de se contorná-la sem impedir uma disputa livre pela menor tarifa. Exigências de qualificação mínima, como ocorre nos leilões de aeroportos (em que só participam empresas que já administram terminais com determinada movimentação mínima anual de passageiros); recurso a medidas como seguro-garantia ou caução; ou a necessidade de cada concessionária ter um parceiro financeiro são medidas que reduzem ou até eliminam eventuais riscos associados à cobrança de uma tarifa baixa.
Durante a mais recente audiência pública realizada sobre a nova licitação, o representante da ANTT também afirmou que o desconto máximo médio de 17% sobre a tarifa-base foi calculado considerando que as empresas não ofereceriam menos que isso porque poderiam obter retorno melhor no mercado financeiro. Ora, para isso não seria preciso limitar o desconto nas regras do leilão; bastaria deixar a disputa livre e as concessionárias, sabendo até onde podem ir dentro de sua estratégia de negócio, naturalmente chegariam ao desconto imaginado pelos burocratas da agência. Mas, com a limitação imposta, será impossível saber se alguma empresa estaria disposta a oferecer tarifas mais baixas ainda que pudesse obter retorno melhor em algum outro lugar.
- Pedágio: vamos repetir os mesmos erros (artigo de Luiz Claudio Romanelli, publicado em 1.º de março de 2021)
- Chegou a hora do Paraná! (artigo de Arthur Luis Pinho de Lima, publicado em 26 de fevereiro de 2021)
- Nossas rodovias em 2050 (artigo de Ricardo Rocha de Oliveira, publicado em 25 de fevereiro de 2021)
- A parte boa e a parte ruim do novo modelo de pedágio proposto para o Paraná (artigo de Homero Marchese, publicado em 22 de fevereiro de 2021)
É surpreendente que, depois de décadas de experiência acumulada em concessões de infraestrutura, e ciente de todo o estrago feito no Paraná pelas tarifas escorchantes que os paranaenses tiveram de suportar por décadas, o governo federal pretenda impedir as concessionárias de oferecer o menor preço de pedágio que julgarem viável, impondo um limite que, ainda por cima, nem chega a representar um desconto tão significativo sobre a tarifa básica. O leilão paranaense pode ser o “estado da arte” em termos de licitação, mas para isso os responsáveis por ele precisam se convencer de que o melhor modelo de disputa é aquele que deixa a competição fluir livremente entre os interessados em administrar as rodovias paranaenses, com garantias para a realização das obras necessárias e meios de impedir lances predatórios. Tudo isso já foi testado em outras concessões, rodoviárias e aéreas, comprovando-se os acertos e erros de cada escolha. Não há por que insistir em modelos que engessam a disputa e privam o paranaense da possibilidade de pagar ainda menos para transitar pelas rodovias do estado.