Como se estivesse anunciando algo realmente revolucionário, uma verdadeira reinvenção da roda, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse a jornalistas na quarta-feira que “o presidente [Lula] determinou: ‘cumpra-se o arcabouço fiscal’”. Ou seja, mandou cumprir a lei, o que em qualquer outra situação seria algo que dispensaria toda a pirotecnia. Mas estamos falando do governo Lula, que encontra enorme dificuldade até mesmo para cumprir um arcabouço fiscal razoavelmente frouxo – dificuldade que o próprio presidente aumenta quando não controla seus ataques ao Banco Central e faz o dólar disparar a cada declaração que renega a necessidade de ajuste fiscal e insinua que a autoridade monetária, em breve, será subserviente à ideologia do mandatário.
A “determinação” presidencial foi anunciada por Haddad após uma reunião de Lula com a Junta de Execução Orçamentária, que, além do ministro da Fazenda, tem também Simone Tebet (Planejamento), Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão e Inovação). Para zerar o déficit primário em 2025 – uma meta que, recorde-se, já foi alterada, pois a original era um superávit primário de 0,25% do PIB –, a solução encontrada foi um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias, que será feito principalmente por meio de um pente-fino em benefícios sociais que, somados às aposentadorias, custam R$ 1,2 trilhão por ano ao governo. Uma revisão, aliás, que Lula realizará muito a contragosto, já que o presidente, em sua campanha eleitoral eterna, prefere atacar os subsídios concedidos a vários setores da economia (muitos deles criados durante governos petistas) e que correspondem, segundo ele, a mais de R$ 500 bilhões.
Os R$ 25,9 bilhões em cortes autorizados pelo Planalto acalmam a tempestade no curto prazo, mas não servem para mudar o clima
Pentes-finos em benefícios sociais são necessários e precisam ser feitos periodicamente, para evitar que o dinheiro do contribuinte vá parar no bolso de alguém que não se encaixa nos requisitos legais para receber um auxílio. Mas acreditar que essa simples revisão seja suficiente para resolver os problemas fiscais de um governo que tem a gastança em seu DNA é pedir para se decepcionar mais adiante. No máximo, ele trará algum alívio bastante temporário – o dólar, que bateu os R$ 5,70 na terça-feira, passou a cair e terminou a semana em R$ 5,46. Mas, como a Gazeta do Povo já mostrou, as próprias regas do arcabouço e políticas do governo em temas como valorização real do salário mínimo armaram uma bomba-relógio orçamentária que um simples pente-fino é incapaz de desarmar.
E não se pode dizer que faltem recomendações do que poderia ser feito para cortar gastos. Nada impede uma revisão dos subsídios que Lula tanto critica, desde que seja feita dentro do espírito de uma autêntica política industrial ou de fomento a determinadas atividades econômicas, em vez de usar renúncias fiscais como prêmio a quem faz o lobby mais eficiente. A unificação dos benefícios governamentais também traria economia na casa das dezenas de bilhões de reais por ano, eliminando sobreposições, facilitando o controle e mantendo a rede de proteção a quem mais precisa dela. Tudo isso sem falar, é claro, da eliminação de privilégios em geral, um mau hábito igualmente espalhado pelos três poderes e que se reflete nos inúmeros auxílios concedidos a quem já está no topo da pirâmide socioeconômica nacional, ou nos bilionários fundos que financiam partidos e campanhas eleitorais com dinheiro do contribuinte.
E este ainda seria o ajuste mais simples. Seria possível ir ainda mais fundo na racionalização do gasto público realizando reformas estruturais como a administrativa, para racionalizar as carreiras do funcionalismo e fazer com que o serviço público deixe de ser fonte de desigualdade, como atestou estudo clássico do Ipea. Ou, ainda, aprofundar a reforma da Previdência, que continua deficitária apesar das mudanças realizadas em 2019, e que haviam ficado aquém do plano original. Um bom programa de privatizações, por fim, ajudaria a enxugar o Estado, que deixaria de bancar empresas deficitárias e quadros inchados.
Mas tudo isso, bem sabemos, é anátema para Lula e o petismo, e assim podemos afirmar desde já que os R$ 25,9 bilhões em cortes autorizados pelo Planalto acalmam a tempestade no curto prazo, mas não servem para mudar o clima. As palavras de ordem continuam a ser política fiscal expansionista e intervencionismo onde quer que Lula consiga colocar as mãos – o que incluirá, num futuro próximo, o comando do Banco Central. Sem um ajuste sério ou reformas dignas do nome, seguiremos pulando de paliativo em paliativo.