Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 2, fixou entendimento contrário à reinterpretação da chamada Lei da Anistia, de 1979). Assim, rejeitou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 153, movida pela Ordem dos Ad­­vogados do Brasil (OAB), pela qual se pretendia o reconhecimento de que o perdão contido na mencionada lei não abrangeria os crimes comuns praticados por agentes da repressão contra opositores políticos ao regime militar.

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Votaram contra a revisão da Lei da Anistia os ministros Eros Grau, Carmem Lúcia, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Já os votos favoráveis à medida proposta pela OAB partiram dos ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. O ministro Joaquim Barbosa não votou porque estava em licença médica e o ministro Dias Toffoli se absteve porque já havia atuado no processo à época em que comandava a Advocacia-Geral da União.

O tema era, sem dúvida, bastante polêmico e, de lado a lado, havia bons argumentos jurídicos. Diante disso, o que prevaleceu foi, ao que tudo indica, o reconhecimento da impossibilidade de se analisar o assunto de forma isolada da sua história, ou seja, a impossibilidade de não se analisar o contexto histórico da própria Lei da Anistia.

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Esse já havia sido um dos eixos do parecer emitido pela Procuradoria-Geral da República, que procurou enfatizar o espírito de pacificação social que tomava conta do país naquele momento, fazendo expressa menção, por exemplo, ao Manifesto dos Artistas, lido no plenário do Senado Federal em 1979: "... Foram longos demais esses anos de ‘caça às bruxas’ e perseguições. Justamente quando entre os anseios do tão sofrido povo brasileiro cresce a necessidade urgente de paz, de reconstrução de uma nação conciliada, justamente quando o presidente ‘jura’ fazer de nosso país uma democracia, é concebida uma Anistia repleta de parágrafos, de itens que restringem e, portanto, reprimem novamente. Não podemos admitir, sobretudo, que quando se pretende uma conciliação Nacional sejam anistiados uns e marginalizados outros. E mais: perguntamos a todos e a nós mesmos, o número de mortos e de desaparecidos não se sabe ainda. No entanto, este não é o momento em que se devam reascender divergências. E nem mesmo perguntar – por mais evidente que seja a resposta – quem atirou a primeira pedra. É o momento vital de falar, de gritar, em nome dos mais elementares princípios de respeito humano, aos sentimentos cristãos: Chega de rancores! Chega de ódios! Paz! Anistia ampla, geral e irrestrita."

E também não passou em branco a mudança de entendimento da própria OAB, que era justamente a autora da ADPF e que, nessa condição, defendia a reinterpretação da Lei da Anistia. Uma mudança de entendimento que, nas palavras do ministro Cezar Peluso, representaria uma "consciência tardia" de incompatibilidade da norma com a ordem constitucional. Isso porque, à época da aprovação da Lei da Anistia, em parecer escrito pelo então Conselheiro Federal Sepúlveda Pertence – posteriormente ministro do STF – a OAB assim se posicionou: "...nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro de nossa história poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável como passo adiante no caminho da democracia. De outro lado, de tal modo a violência da repressão política foi tolerada – quando não estimulada, em certos períodos, pelos altos escalões do poder – que uma eventual persecução penal dos seus executores materiais poderá vir a ganhar certo colorido de farisaísmo. Não é preciso acentuar, de seu turno, que a extensão da anistia aos abusos da repressão terá efeitos meramente penais, não elidindo a responsabilidade civil do Estado, deles decorrentes...".

Por tudo isso, a decisão do STF parece ter sido realmente acertada. A Lei da Anistia não poderia ser interpretada fora do seu contexto histórico, o que não afasta e não prejudica o evidente repúdio às atrocidades cometidas naquele triste período. Tanto é assim que, durante o julgamento, ao fazer uso da palavra, o ministro Cezar Peluso afirmou não haver dúvida sobre a "profunda aversão por todos os crimes praticados, desde homicídios, sequestros, tortura e outros abusos – não apenas pelos nossos regimes de exceção, mas pelos regimes de exceção de todos os lugares e de todos os tempos". Adiante, porém, destacou que "se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e também com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia".

O fato é que a discussão em torno da ADPF dizia respeito à possibilidade ou não de punição de crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os opositores políticos ao regime militar, o que não se confunde, por óbvio, com a discussão atinente ao persistente desrespeito ao direito à verdade e ao direito à memória. Daí a importância da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de n.º 4077, pela qual se defende, dentre outros aspectos, a inconstitucionalidade de leis que ainda impedem a abertura definitiva dos arquivos da ditadura e o acesso a documentos até hoje considerados sigilosos. Leis que escondem a verdade e impedem a reconstrução da história de pessoas e de todo um país.

E, por fim, voltando à questão relativa ao julgamento envolvendo a abrangência da Lei da Anistia, merecem destaque, mais uma vez, as palavras do atual presidente do STF, o ministro Cezar Peluso, que, de forma sábia e serena, afirmou também que: "Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver".

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