| Foto: TIMOTHY A. CLARY/AFP

Nesta terça-feira (8), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a retirada do país do Acordo Nuclear do Irã (JCPOA, na sigla em inglês) e a reativação de sanções contra o programa nuclear iraniano, cumprindo mais uma de suas promessas de campanha. Trump já ensaiava a decisão, desde que se negou a certificar o pacto em outubro, uma competência que a lei americana garante ao mandatário do Executivo. No entanto, não convenceu os aliados e demais atores internacionais relevantes da necessidade de revisão dos termos do acordo. O JCPOA é um acordo multilateral do qual são partes, além de Irã e Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Rússia e China, o grupo chamado P5+1.

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As pretensões nucleares do Irã são uma novela à parte no Oriente Médio. Na década de 1970, antes da Revolução dos Aiatolás, o país iniciou um programa de enriquecimento de urânio, nos termos permitidos pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), com apoio dos Estados Unidos. Depois da revolução e do fechamento do país, as pretensões nucleares de Teerã tornaram-se incertas até virem à tona em 2002. A partir de 2006, sanções progressivas da ONU vieram a somar-se às sanções unilaterais dos Estados Unidos e às negociações no âmbito do P5+1, sem que isso detivesse as atividades de enriquecimento de urânio amplamente superiores aos níveis necessários para o uso pacífico de energia, embora o Irã sempre tivesse negado pretensões de uso militar da tecnologia nuclear.

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Em 2015, depois de um esforço considerado sem precedentes pela maioria dos analistas, chegou-se à solução multilateral para o impasse, o JCPOA, que entrou plenamente em vigor em janeiro de 2016, com uma vigência inicial de 15 anos. O acordo determinou a redução do estoque de urânio enriquecido do país de 8,7 mil para 300 kg; limitou drasticamente a possibilidade de uso dos reatores, embora não sua destruição; e abriu o país às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a partir da adesão provisória ao Protocolo Adicional do TNP. Em troca, a ONU suspendeu as sanções, liberando cerca de US$ 100 bilhões em ativos iranianos que estavam congelados no exterior e desafogando algumas restrições econômicas.

Trump não parece perceber os danos que causa ao Direito Internacional, à confiança e à cooperação entre as nações

O acordo foi reconhecido como “imperfeito”, mas o “único possível”, por praticamente todos os negociadores. A AIEA vinha certificando seu cumprimento por parte do Irã, o que na prática mostra que a intenção de congelamento do programa nuclear estava – e ainda está – surtindo efeito. No entanto, embora isso não estivesse no escopo do JCPOA, a comunidade internacional não conseguiu deter os testes de mísseis balísticos de Teerã, o que poderia, em tese, configurar um descumprimento do acordo, caso esses mísseis tenham capacidade para carregar ogivas nucleares. Trump fiou-se nesse aspecto, e no apoio do Irã ao terrorismo internacional, para justificar sua atitude, mas falhou em engajar até mesmo os aliados nessa decisão. Nessas condições, o curso de ação mais correto seria reformar e melhorar os termos do acordo, não abandoná-lo.

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Ainda é cedo para prever as consequências da decisão dos Estados Unidos. O presidente do Irã, Hassan Rouhani, que pertence à ala mais moderada da política iraniana, declarou que vai tentar manter o acordo em vigor com os outros Estados-partes, o que também é intenção da Europa. O mercado financeiro reage, por enquanto, com cautela à efetividade das novas sanções dos Estados Unidos, que só devem estar em vigor plenamente daqui 180 dias. Seja como for, Trump não parece perceber os danos que causa ao Direito Internacional, à confiança e à cooperação entre as nações, abandonando um acordo que, por mais que tenha sido assinado por Obama, cria expectativas legítimas entre a comunidade internacional. O multilateralismo sai mais uma vez enfraquecido.

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