O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, se viu no centro de um enorme imbróglio nos últimos dias, graças a interpretações no mínimo equivocadas, e no máximo mal-intencionadas, de algumas de suas declarações ao jornal O Estado de S.Paulo, publicadas no último fim de semana. Zema se referiu à formalização de um consórcio dos estados das regiões Sul e Sudeste, o Cosud. “Além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos – que é o que nunca tivemos – protagonismo político”, afirmou o mineiro, acrescentando que é preciso “que o Brasil pare de avançar no sentido que avançou nos últimos anos – que é necessário, mas tem um limite – de só julgar que o Sul e o Sudeste são ricos e só eles têm que contribuir sem poder receber nada”.
Como Zema é apontado como um potencial presidenciável da centro-direita para 2026, o petismo e seus aliados no mundo político e na opinião pública trataram de criar a narrativa de um Zema xenófobo (ou até mesmo separatista), adversário dos estados de outras regiões, especialmente o Nordeste. Flávio Dino (PSB), ministro da Justiça e ex-governador do Maranhão, acusou a “extrema-direita” – já que, no maniqueísmo esquerdista, tudo que não for “esquerda” só pode ser “extrema-direita” – de “fomentar divisões regionais” e chegou a chamar o mineiro de “traidor da pátria”. João Azevêdo (PSB), governador da Paraíba, adotou a mesma linha e acusou Zema de incentivar “uma guerra entre regiões”; em uma enorme ironia, a manifestação de Azevêdo foi feita na qualidade de presidente do Consórcio Nordeste, ou seja, de um grupo que funciona exatamente nos mesmos moldes do Cosud.
Nada mais natural para estados que compartilham de proximidade geográfica e características comuns que busquem cooperação para fortalecer sua economia e incrementar seu peso político
Uma leitura atenta e honesta da entrevista do governador mineiro não permite ver ali o menor traço de xenofobia ou de estímulo à rivalidade entre regiões brasileiras. Zema afirmou uma série de fatos: que os políticos de Norte e Nordeste são muito mais propensos a colocar diferenças políticas de lado quando se trata de lutar pelos interesses de suas regiões; que a pobreza, embora seja muito maior em outras regiões brasileiras, também existe no Sul e no Sudeste; que estados com tamanho peso econômico não podem ser relegados ao banco do carona em discussões como a da reforma tributária; e que a distribuição de renda com critérios regionais, importante para o pacto federativo e classificada por Zema como “necessária”, não pode ser usada para esgarçar a Federação.
Parte do problema apontado por Zema tem origem na distorção em termos de representação política na Câmara dos Deputados. Se o Senado é a “Casa da Federação”, com representação idêntica para cada estado e o Distrito Federal, a Câmara, sendo a “Casa do Povo”, deveria ter seus assentos distribuídos de forma proporcional conforme a população de cada estado, mas não é o que ocorre. Enquanto os Estados Unidos redistribuem cadeiras na Câmara dos Representantes a cada censo, com estados ganhando ou perdendo deputados, no Brasil a rigidez constitucional, que impede estados de terem menos de oito ou mais de 70 deputados, garante que os estados maiores fiquem subrepresentados, enquanto estados menores são super-representados. Das cinco unidades da Federação mais populosas do Brasil, quatro ficam nas regiões Sul e Sudeste, as mais prejudicadas por esta distorção.
É impossível, no entanto, que tenhamos qualquer tipo de redistribuição de assentos parlamentares em um futuro próximo, e esta nem parece ser uma preocupação de Zema. O objetivo do Cosud é principalmente o de garantir que os estados do Sul e do Sudeste sejam tratados, quando se sentam à mesa com os demais, de forma compatível com a sua relevância socioeconômica, sem serem obrigados a perder todas as brigas por estarem em menor número. O caso da reforma tributária, usado pelo governador mineiro na entrevista, é emblemático, com a pressão para que o Conselho Federativo leve em conta o tamanho de cada estado. Da mesma forma, Zema reconhece a necessidade de que haja transferência de recursos das regiões mais ricas para as mais pobres, mas alerta para que este processo “não pode ser intensificado, ano a ano, década a década”, pois isso seria um sinal inequívoco de que as políticas para o desenvolvimento das áreas mais pobres estariam fracassando e seria necessário revê-las, em vez de se retirar ainda mais recursos dos estados mais fortes economicamente.
Nada mais natural para um governador de estado que se mobilizar pelos interesses daqueles que governa. E nada mais natural para estados que compartilham de proximidade geográfica e características comuns que busquem cooperação para fortalecer sua economia e incrementar seu peso político. Consórcios estaduais, seja no Nordeste, seja no Sul-Sudeste, têm esse objetivo, e não o de fomentar rixas regionais. “Nunca achamos que os estados do Norte e Nordeste haviam se unido contra os demais estados. Ao contrário: a união deles em torno de pautas de seus interesses serviu de inspiração para que, finalmente, possamos fazer o mesmo”, disse o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), em defesa de Zema. Demonizar o Sul-Sudeste quando trata de fazer o mesmo que estados de outras regiões, unicamente por razões político-ideológicas: isso, sim, é fomentar rivalidades e impedir o Brasil de caminhar unido.