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Editorial

A PGR contra a liberdade de expressão

Procurador Deltan Dallagnol (foto) teve punição anterior tornada sem efeito por decisão do ministro do STF, Luiz Fux.
O procurador da República Deltan Dallagnol sofreu punições do CNMP em 2019 e 2020. (Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo)

Os últimos dias demonstraram que a Procuradoria-Geral da República anda se batendo com o direito constitucional à liberdade de expressão. Enquanto o procurador-geral Augusto Aras quer apurar manifestações críticas de um professor da Universidade de São Paulo, seu vice, Humberto Jacques de Medeiros, defendeu que o plenário do Supremo Tribunal Federal restaure a pena de advertência recebida pelo ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, em 2019 e que está liminarmente suspensa por decisão do atual presidente da corte, Luiz Fux.

Em novembro de 2019, Dallagnol tinha sido punido pelo Conselho Federal do Ministério Público por causa de uma entrevista concedida no ano anterior, na qual ele criticava decisões da Segunda Turma do STF que beneficiavam réus da Lava Jato. Por mais que estivesse fazendo observações contundentes, Dallagnol ressaltara que não fazia juízo de valor sobre as motivações dos ministros, atendo-se apenas ao seu efeito prático, que era inegável: “uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”. Mesmo assim, o CNMP atropelou a liberdade de expressão e a independência garantida pela lei aos membros do MP.

A inconstitucionalidade da pena aplicada a Deltan Dallagnol em 2019 é inequívoca por desrespeitar o direito constitucional à liberdade de expressão

Em agosto de 2020, Dallagnol voltaria a ser julgado no CNMP em dois outros processos – em um deles, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) pedia que o procurador fosse removido da coordenação da força-tarefa. Caso fosse condenado novamente, a advertência de 2019 poderia servir de agravante para permitir punições bem mais severas. Dois ministros do Supremo intervieram: Celso de Mello suspendeu ambos os julgamentos, e horas antes Fux já havia determinado que a advertência de 2019 não deveria ser levada em consideração se Dallagnol fosse punido mais uma vez. A decisão de Celso de Mello foi revertida dias depois por Gilmar Mendes, levando à aplicação de pena de censura a Dallagnol no processo movido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), mas a liminar de Fux permaneceu, e será avaliada pelo plenário da corte.

Em sua manifestação, o vice-procurador-geral preferiu o formalismo aos princípios constitucionais, alegando que a decisão do CNMP tinha “forma fundamentada” e que Dallagnol efetivamente havia violado as regras que regem a conduta dos membros do MP, tendo transgredido os “deveres de tratar com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço e de guardar decoro pessoal”. No entanto, se mesmo quanto à “forma fundamentada” há sérias dúvidas, pois Fux também considerou que o processo disciplinar que levou à pena de advertência havia prescrito, ainda mais descabida é a alegação de que Dallagnol efetivamente cometeu alguma violação no exercício da função de procurador. A argumentação de Medeiros, em última análise, transforma qualquer crítica objetiva a uma ação de um agente público em ofensa pessoal, o que não faz o menor sentido.

Embora não tenha sido mencionada explicitamente por Fux em sua liminar, a inconstitucionalidade da pena aplicada ao procurador em 2019 é inequívoca por desrespeitar o direito constitucional à liberdade de expressão. Evidentemente essa liberdade não dá ao agente público o direito de abusar dela, mas as críticas feitas na entrevista de 2018 definitivamente não ultrapassaram os limites da urbanidade nem do decoro pessoal; estão amparadas tanto pela Lei Maior quanto pela Lei Orgânica do Ministério Público, que em seu artigo 41 defende a “inviolabilidade [do membro do MP] pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional”. Ao defender que o STF reverta a liminar de Fux e restaure a punição a Dallagnol, a PGR, por meio de seu vice-procurador-geral, faz pouco de uma liberdade básica e envia aos membros do órgão a mesma mensagem que o CNMP já vem enviando há alguns anos: no Ministério Público Federal, o “crime de opinião” existe.

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