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Editorial

A repetição de uma receita de fracasso

Guido Mantega e Dilma Rousseff, em 2014: estratégia de crescimento baseada em gasto do governo e consumo das famílias falhou, mas Lula a está repetindo agora. (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

No fim da tarde desta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciará, em um comunicado, sua decisão sobre a taxa Selic que vigorará pelos próximos 45 dias. Boa parte do mercado financeiro já acredita que os diretores do BC abandonarão o período de estabilidade que sucedeu o ciclo de afrouxamento monetário ocorrido entre agosto de 2023 e maio deste ano, revertendo a marcha e elevando os juros. Mas, ainda que não o façam neste momento, o fato é que as políticas governamentais estão criando as condições que, mais cedo ou mais tarde, poderão forçar essa elevação – e a forma como isso vem sendo construído repete a receita que levou o Brasil à pior crise econômica da história do país, maior inclusive que o estrago causado pela pandemia de Covid.

A “nova matriz econômica” implantada quando Guido Mantega era ministro da Fazenda, no fim do segundo governo Lula e primeiro mandato de Dilma Rousseff, se baseava em estímulo à gastança sem fim, tanto do governo quanto das famílias, como forma de fazer a economia crescer. Enquanto Dilma botava em prática seu “gasto é vida” e maquiava as contas públicas com os artifícios que a levariam ao impeachment em 2016, implantava-se todo tipo de incentivo à compra de bens como automóveis ou eletrodomésticos (a chamada “linha branca”). Com a ajuda de fatores internacionais como a elevada demanda por commodities brasileiras, o petismo colecionou bons resultados entre 2010 – com o “pibão” de 7,5% – e 2013. No entanto, em 2014 o PIB já caiu, e despencaria em 2015 e 2016, por uma razão simples: nenhuma economia cresce de forma consistente apelando apenas ao consumo e desprezando o investimento e a poupança. A “nova matriz econômica” era um desastre previsível.

Nenhuma economia cresce de forma consistente apelando apenas ao consumo e desprezando o investimento e a poupança

Pois é exatamente isso o que vem ocorrendo agora. O resultado do segundo trimestre de 2024 surpreendeu, com crescimento de 1,4% na comparação com o primeiro trimestre, mas foi basicamente puxado pelo consumo do governo e das famílias, ambos com alta de 1,3%, bem acima das previsões. Já a formação bruta de capital fixo, o investimento capaz de elevar a produção, subiu 2,1% no segundo trimestre, abaixo do esperado, e está em 16,6% do PIB, muito abaixo dos 25% ideais – um mal que, justiça seja feita, não é exclusividade do petismo, já que ao menos nos últimos 30 anos a FBCF jamais superou a casa dos 20%. Isso quer dizer que o Brasil está limitando sua capacidade de crescimento no médio e longo prazo, privilegiando o curtíssimo prazo por meio de estímulo ao consumo, seja com programas de distribuição de renda, seja pelo mercado de trabalho aquecido que eleva a massa salarial.

É evidente que crescimento econômico e aumento do poder aquisitivo das famílias estão longe de ser um mal; o alerta dos economistas é outro: o de que basear o crescimento em consumo é fórmula com validade curta porque pressiona a inflação, o que por sua vez leva a juros elevados, que limitam ainda mais o investimento. Foi o que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, explicou em abril quando disse que, “quando as empresas não conseguem contratar e têm que começar a subir o salário para o mesmo nível de produção, significa que você está iniciando um processo inflacionário” – uma fala que o presidente Lula distorceu tempos atrás para insinuar que Campos Neto estava incomodado ao ver o brasileiro ganhando mais. O petista omitiu a condicional “para o mesmo nível de produção”, que faz toda a diferença: se a oferta permanece igual e a demanda cresce, o resultado é óbvio para qualquer um que tenha bom senso.

Em resumo, mais uma vez o petismo aposta em um crescimento econômico de “baixa qualidade”, puxado pelo consumo em vez de lastreado em poupança e investimento. É o caminho certo para “plantar inflação e colher juros”, como afirmava em 2014 a então candidata à reeleição Dilma para criticar seus adversários, enquanto ela mesma liderava uma política econômica que tinha esse exato efeito. Se o Copom elevar a Selic nesta quarta-feira – ou mesmo se a mantiver estável –, Lula haverá de espernear, mas o fato é que, com a semente ruim que o petismo plantou desde que voltou ao poder, a colheita não tem como ser diferente.

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