Após uma série de idas, vindas e adiamentos, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei 399/2015 – que libera o plantio, em determinadas circunstâncias, da Cannabis sativa no Brasil e trata do uso medicinal de determinados componentes da planta de maconha – aprovou na terça-feira, dia 8, o substitutivo redigido por Luciano Ducci (PSB-PR). A comissão se dividiu a respeito do tema, com 17 votos favoráveis ao texto e 17 contrários; o desempate coube justamente ao relator.
Neste espaço, e em vários outros textos, a Gazeta do Povo tratou extensivamente dos inúmeros pontos altamente problemáticos do PL 399 na versão elaborada por Ducci. O deputado paranaense, é preciso lembrar, mudou completamente o espírito original do projeto, que apenas previa a comercialização de medicamentos à base do canabidiol, um dos componentes encontrados na planta de Cannabis. O resultado final, em termos resumidos, é um convite ao desastre, pois libera o plantio, em “maconhais legalizados” com medidas de proteção dignos de penitenciárias de segurança máxima, o que por si só deixa evidente o risco envolvido no plantio. Além disso, o texto tem brechas que podem ser exploradas por pessoas mal-intencionadas, em conluio com médicos igualmente mal-intencionados, para permitir o uso recreativo da Cannabis sob o disfarce de uma prescrição médica. E, aqui, pouco importa se tais brechas foram intencionalmente inseridas ali pelo relator ou se são uma consequência não pretendida de uma redação ambígua: importa o que efetivamente está no texto legal e como ele pode ser usado.
É de uma insensatez completa pretender que um projeto tão importante dependa apenas do aval de uma comissão, sem votação em plenário
Não bastasse o desacerto do projeto em si, também sua tramitação padece de um problema sério: o texto estava sendo apreciado pela comissão especial em caráter terminativo, ou seja, a decisão da comissão seria definitiva na Câmara, e a aprovação significaria o envio do texto diretamente ao Senado sem passar pelo crivo dos 513 deputados em plenário. Por mais que este tipo de tramitação esteja previsto em regimento – ou seja, não se trata de nenhuma manobra irregular da parte dos interessados na liberação da maconha –, é de uma insensatez completa pretender que tema tão importante e com tantas consequências sobre a sociedade brasileira dependa apenas de umas poucas dezenas de deputados, sem que seja ouvido o conjunto completo dos representantes da população por meio da votação em plenário.
Felizmente, há meios para reparar este erro crasso. O regimento da Câmara também permite recursos pedindo que o plenário analise projetos que originalmente passariam apenas pelas comissões; para isso, basta o recolhimento de 52 assinaturas, o equivalente a 10% do número total de deputados mais 1. No caso do PL 399, o deputado Diego Garcia (Podemos-PR) assumiu a tarefa e, até o momento da publicação deste texto, já tinha o apoio necessário; o recurso, no entanto, só pode ser apresentado depois que o Diário Oficial da Câmara dos Deputados publicar a aprovação do projeto na comissão especial, o que ainda não ocorreu. Uma vez protocolado, o recurso precisa ser colocado em votação pelo presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL); se for aprovado, o PL 399 terá de ser analisado pelo plenário; caso o recurso seja rejeitado, o projeto vai ao Senado.
É evidente que o PL 399 precisa, sim, passar pelo plenário. Não apenas porque a importância do assunto o exige, mas também porque fica reaberta a possibilidade de apresentação de emendas que melhorem o texto. Assim, será possível eliminar as brechas perigosas e a permissão para o plantio, enquanto ficariam mantidas as providências estritamente necessárias para permitir o acesso facilitado aos medicamentos e insumos derivados do canabidiol naqueles casos em que forem imprescindíveis.
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