Painel de votação da sessão virtual do Senado que aprovou o projeto de lei de combate às fake news.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Na última terça-feira, o Senado aprovou o texto-base do "PL das fake news", o Projeto de Lei 2.630/2020, que trata do combate às notícias falsas em redes sociais e serviços de mensagens. O PL, que agora segue para a Câmara, abandonou muitos vícios de origem constitutivos da proposta original, mas ainda apresenta problemas que precisam ser corrigidos pela Câmara.

Em um período de isolamento social, com sessões sendo realizadas de maneira remota, sem a já pouca participação da sociedade civil que Brasília permite, a iniciativa poderia ter sido elaborada com mais transparência e vagar. Ainda assim, alterações importantes foram realizadas, diminuindo o impacto negativo inicial de muitas propostas e criando alguns mecanismos interessantes.

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A chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet vem a nascimento com pontos polêmicos. O texto aprovado retira o foco anterior na ideia de “desinformação” e se centra no “combate ao comportamento inautêntico e às redes de distribuição artificial de conteúdo e do fomento ao acesso à diversidade de informações na internet no Brasil”. Ou seja, o que está em jogo, principalmente, é a regulação de empresas de disparo em massa de mensagem e o trabalho dos chamados “robôs”, perfis inautênticos criados para disseminar e impulsionar determinados conteúdos. Esse foco é deveras mais positivo do que a ideia de combater a “desinformação”, que colocaria sob responsabilidade do Estado de estabelecer um sistema de governança da informação e de sua veracidade. No projeto original, esse sistema se daria por meio das chamadas agências de checagem de fatos, instituindo problemas sérios para a própria atividade jornalística e subvertendo vários princípios da liberdade de expressão.

Contudo, o disparo de mensagens de conteúdo difamatório é um problema presente nos aplicativos de trocas de mensagem e isso pode ser coibido por alguns dos dispositivos previstos no PL. O controle desse tipo de campanha preserva a criptografia de ponta a ponta e separa conceitualmente a comunicação de massa, com formato de “um para muitos”, da comunicação interpessoal, isto é, “um a um”. No caso dos primeiros, tornam-se sujeitas a algum tipo de regulação as mensagens que efetivamente garantem grande alcance, com pelo menos cinco reencaminhamentos, lidas por mais de mil usuários. Com a nova lei, os fornecedores de aplicação têm obrigação de rastrear a origem desse tipo de mensagem e guardar a informação por determinado período de tempo, para que possa ser acessada a partir de uma queixa procedente e autorizada por decisão judicial. Sabendo-se a fonte de uma campanha difamatória e o rastro que as mensagens percorreram, torna-se possível descobrir com mais facilidade redes, organizações e empresas engajadas em atividades desonestas.

É verdade que isso gera alguma exposição para a privacidade de dados de muitos usuários, que se torna passível de violação por ataques cibernéticos. Porém, a retirada de dispositivos anteriores, que previam a obrigatoriedade da identificação por meio da apresentação de documentos para aprovação de cadastro também mitigou um pouco esses riscos. No formato que está, a lei restringe essa possibilidade de exigência a contas denunciadas por propagação em massa de conteúdo inautêntico. O que é um ponto positivo.

Pelo texto, as plataformas ficam obrigadas a excluir conta falsas, criadas ou usadas “com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”, excetuando conteúdo humorístico. Também fica permitida a abertura de contas com nome social ou pseudônimo, porém, os usuários denunciados por conteúdo irregular ou difamatório podem ser instados a comprovar sua identificação para a rede. O número de contas vinculadas a um mesmo usuário também fica limitado e os robôs, isto é, contas automatizadas para envio maciço de mensagens, ficam proibidos.

Porém, o sistema de governança que o PL institui ainda guarda pontos controversos. A nova lei obriga os provedores de rede fornecerem instâncias de denúncia de conteúdos irregulares, que poderão suspender ou encerrar contas por causa disso. Essa espécie de arbitragem, de resto já executada por aplicações como Facebook e Twitter, colocaria sob responsabilidade de avaliação de um terceiro, contratado pela própria empresa, o julgamento de procedência da denúncia, conferindo ao denunciado prazos e procedimentos para sua contestação. Ainda que seja possível recorrer, a notificação dos usuários para suspensão de conteúdo ou contas fica dispensada em caso de dano imediato de difícil reparação, segurança da informação ou do usuário, violação a direitos de crianças e adolescentes, entre outros aspectos. Em relação a isso, é possível levantar algumas objeções que precisam ser debatidas na Câmara com mais cuidado.

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Esse tipo de sistema, como se tem visto em sucessivas interpelações do Facebook em países como os Estados Unidos da América (EUA), coloca sob a responsabilidade de funcionários contratados a possibilidade de vetarem conteúdo de natureza política tendo por justificativa a proteção de usuários. Esses funcionários também se encontram sujeitos a ações concertadas de denúncias contra adversários ou pessoas que se deseja prejudicar. Como o sistema de arbitragem não é muito claro, é esperado que isso gere problemas mais na frente, com pessoas utilizando isso para levar a suspensão de contas de desafetos ou adversários políticos, em campanhas de denúncia em massa, ou funcionários nem sempre bem intencionados operando para calar determinadas correntes de opinião. Nesse aspecto, porém, é esperado que os tribunais exerçam seu papel, na medida em que os provedores e aplicações são obrigados a estabelecerem sede e pessoa jurídica no país. Ou seja, o Poder Judiciário vai ter de desenvolver seus próprios parâmetros de atuação para o funcionamento desse novo sistema de governança.

Entre as críticas legítimas ao projeto, é preciso identificar aquelas que dizem respeito a grupos de pressão que desejavam um maior poder de regulação sobre a informação do que o conferido pelo PL aprovado no Senado. Há vozes dissonantes que pregam que a suspensão de conteúdos falsos fossem suspensos de antemão, o que nos jogaria de volta no cenário do domínio das agências de checagem. Espera-se, portanto, que este ponto passivo já tenha sido superado e não volte ao projeto nas próximas etapas.

Em outros casos, a liberdade das pessoas pode ser atingida, como nos pontos que se referem à suspensão de contas vinculadas a celulares cujo contrato foi rescindido; num país em que nem todas as pessoas possuem uma conta de celular e as redes sociais têm operado como importante meio de inclusão para a comunicação de milhões de pessoas, a lei pode causar sério prejuízo, se mal redigida. O texto pode e deve ser melhorado em muitos aspectos na Câmara dos Deputados. Porém, perto do que antes estava em jogo, trata-se de avanço evidente. A sociedade não pode perder o debate de vista, mas o ar já se torna menos carregado de agora em diante. Os senadores parecem ter aprendido que, quando está em jogo controles que podem ameaçar a liberdade de expressão, menos é mais.