Nesta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou um levantamento alarmante: mantido o patamar de investimentos na área de saneamento básico, o Brasil só vai universalizar o acesso ao tratamento de água e atingir a meta de 92% de cobertura no tratamento de esgoto em 2060. De acordo com o atual Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), esses números deveriam ser atingidos em 2033. Mas, em queda livre desde 2014, os investimentos no setor, que é a área que mais enfrenta desafios na infraestrutura brasileira, caíram 7,8% em 2017, quando foram investidos R$ 10,9 bilhões, o menor valor em uma década. Para atingir a meta, no entanto, seria necessário investir R$ 21,6 bilhões anualmente até 2033.
De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 83,5% da população brasileira tinha acesso a água encanada em 2017, o que deixa fora da cobertura mais de 35 milhões de pessoas, e 52,4% a redes de esgoto – ou seja, mais de 100 milhões de brasileiros estão excluídos desse acesso. Esses dados já nos colocam atrás de vários países latino-americanos, como Peru, México, Chile e Bolívia e mesmo de países africanos, como Marrocos e África do Sul. Nas regiões Norte e Nordeste, a situação é ainda mais desesperadora: somente 10,24% e 26,87% das populações dessas regiões, respectivamente, têm acesso a esgoto tratado. E, de todo o esgoto coletado em redes no país, pouco mais de 44% é tratado.
O primeiro desafio é aprovar a reforma da previdência e outras reformas econômicas que destravem o potencial represado de crescimento do país.
O acesso a esses bens vai muito além da necessária dignidade mínima que deve ter a vida humana. Há uma farta literatura que relaciona positivamente o tratamento de água e de esgoto à redução dos gastos com saúde, à valorização imobiliária – que beneficia diretamente os mais pobres –, a ganhos com turismo e ao aumento da produtividade do trabalho. As condições de higiene e de saúde têm impacto direto na formação do capital humano de um país, na medida em que evitam doenças e déficits crônicos que têm impacto em toda a vida adulta da população. A própria CNI calcula que cada R$ 1,00 investido em saneamento gera um retorno de R$ 2,50 no setor produtivo. Já a organização Trata Brasil estima que os ganhos econômicos e sociais trazidos pela expansão desses serviços alcançariam R$ 1,125 trilhão em 20 anos, superando em mais de três vezes o investimento necessário.
Embora a queda no aporte de recursos seja reflexo inegável do atoleiro econômico em o Brasil se meteu nos últimos anos, os investimentos já estavam abaixo do necessário antes disso, o que revela a falta de capacidade de planejamento do país – de eleger prioridades e estabelecer planos criativos e eficientes para atingi-las. Como nada disso é factível sem capacidade administrativa e orçamentária, não há dúvidas de que o primeiro desafio é aprovar a reforma da previdência e outras reformas econômicas que destravem o potencial represado de crescimento do país. Mas a real solução desses gargalos, contudo, virá somente com um planejamento sólido, uma execução responsável, a racionalização dos gastos e a profissionalização da gestão dos recursos.
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Uma das constatações da CNI é que o modelo atual de investimentos no setor de saneamento, embora conste de uma legislação recente, ainda é baseado em um modelo dos anos 1970, largamente centralizado no setor público e, especialmente, em repasses do governo federal, o que engessa o investimento. O alerta é positivo para lembrar que capacidade de planejamento e execução não se confunde com dirigismo estatal, um equívoco comum, nem é competência exclusiva de gestores públicos. Ao contrário, deve ser uma responsabilidade compartilhada entre os diferentes entes federativos e entre o poder público, a sociedade civil e os agentes econômicos. É dessa interação que podem surgir as soluções criativas e eficientes para enfrentar um problema crônico, e de consequências gravíssimas, que afeta a todo o país.
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