Mesmos os gestores públicos mais enfáticos na defesa do isolamento social e do fechamento de negócios como forma de conter a pandemia de coronavírus estão percebendo que é preciso seguir em frente com o olhar para a saúde das pessoas, mas também pensando no emprego e na renda de inúmeras pessoas que já estão sendo afetadas pela interrupção da atividade econômica. Este alerta vem de várias fontes, incluindo a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) e outras agências da ONU: o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos (PMA) avisou que a disrupção na economia global causará uma “pandemia de fome”, dobrando o número de pessoas em todo o mundo que estarão em situação de fome aguda.
E, como já lembramos, os programas de ajuda governamental, desde a transferência direta de dinheiro até a facilitação do crédito para empresas bancarem a folha de pagamentos enquanto não houver receitas, só conseguem ir até um ponto; apenas a reativação dos negócios conseguirá trazer de volta alguma normalidade e perspectiva para empresários e trabalhadores. Uma retomada gradual, como afirmou o próprio Jair Bolsonaro dias atrás, ao falar de uma reabertura que deve ocorrer, mas “não o mais rápido possível”. Autoridades no mundo inteiro têm buscado critérios técnicos que permitam decidir onde é possível afrouxar o isolamento e onde é necessário mantê-lo. A OMS, por exemplo, sugeriu seis critérios, que também incluem questões comportamentais; outros governos vêm fazendo o mesmo.
Em muitos lugares, especialistas das áreas médica e econômica começam a trabalhar juntos para descobrir os melhores modos de o mundo sair do caos
Dos Estados Unidos vem um plano interessante, desenhado pela equipe de Donald Trump, para uma reabertura em três fases, aplicada de forma descentralizada, de acordo com a decisão de cada governador. Cada mudança de fase exige que o estado ou área em questão registre queda no número de novos casos de Covid-19 por 14 dias seguidos (as duas semanas são o período máximo para que os contaminados demonstrem sintomas) e que o sistema hospitalar não esteja pressionado. À medida que a área for “mudando de fase”, mais tipos de estabelecimentos podem reabrir – escolas e creches, por exemplo, só voltam a funcionar na fase dois. Mesmo na última fase, as recomendações a respeito do distanciamento social, especialmente para os grupos de risco, continuam valendo.
Também no Brasil há iniciativas surgindo em vários municípios e estados. O governador paulista, João Doria, responsável por uma série de medidas restritivas e bastante controversas, como o monitoramento de celulares para identificar deslocamentos e aglomerações, bem como a ameaça de prender quem violasse a quarentena, anunciou na quarta-feira, dia 22, que os negócios devem reabrir gradualmente a partir de 11 de maio. O processo não deve ocorrer de forma uniforme: algumas regiões do estado e setores da economia terão as restrições levantadas antes de outros. Serão avaliadas a saturação da rede hospitalar, a evolução da curva de contágio e a disponibilidade de testes, inclusive para pacientes assintomáticos. E, mesmo onde for possível uma reabertura, algumas regras de comportamento e distanciamento continuarão valendo, como a obrigação de usar máscaras em público.
O uso das máscaras também é regra em Curitiba, onde o decreto que regulamentou a reabertura do comércio estabeleceu, ainda, lotação máxima de acordo com a área do estabelecimento, locais diferentes para entrada e saída de clientes, ou atendimento do lado de fora em lojas menores. No Rio Grande do Sul, já vigora um decreto com 28 exigências que valem para todo o estado, à exceção da região metropolitana de Porto Alegre, onde os números do coronavírus continuam alarmantes. São restrições menores e que, apesar de exigirem algum nível de adaptação por parte dos empresários e da população em geral, passam facilmente pelo crivo do princípio da proporcionalidade, considerando a importância de evitar o contágio restringindo o mínimo possível a liberdade do cidadão.
Aqui, cautela é a palavra de ordem. Há uma série de fatores que precisam ser levados em conta, especialmente no Brasil, onde a escassez crônica de testes impede que se tenha uma ideia exata das dimensões da pandemia. Nos locais onde há a reabertura dos negócios, os números da Covid-19 precisam ser monitorados com lupa para que se possa identificar rapidamente qualquer indício de que a doença esteja escapando ao controle. Ninguém quer repetir o norte da Itália, a cidade de Nova York ou o estado do Amazonas. O esforço para “achatar a curva” não perde a validade, pois a ameaça de um colapso hospitalar continua a existir. Mas é alvissareiro perceber que, em muitos lugares, especialistas das áreas médica e econômica começam a trabalhar juntos para descobrir os melhores modos de o mundo sair do caos em que foi lançado pelo coronavírus.
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