É preciso ouvir a voz das ruas, mas todos já sabem o que o Brasil deseja. Cabe aos parlamentares tomar para si a tarefa de fazer a reforma política, sem a necessidade de consulta popular

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O governo federal entregou ontem ao Congresso a proposta de plebiscito sobre a reforma política. Pela ideia do Executivo federal, seriam discutidos cinco temas: o financiamento das campanhas, o sistema eleitoral, o fim da suplência para senadores, a manutenção das coligações e o fim do voto secreto no Congresso. O vice-presidente Michel Temer fez questão de dizer que essas são apenas sugestões, e que a palavra final caberá aos parlamentares. O plebiscito foi uma possibilidade lançada pela presidente Dilma Rousseff (após sua desastrada proposta de uma assembleia constituinte específica) para "dar voz ao povo" em relação à reforma política, que é, efetivamente, uma prioridade. Mas fazer isso por meio de uma consulta popular é inoportuno, e tem seus riscos políticos.

A própria elaboração do plebiscito já promete ser um trabalho complexo. O governo já deixou claro que gostaria de que a consulta ocorra sem demora. Mas haverá tempo suficiente para explicar ao eleitorado, por exemplo, as diferentes formas de financiamento de campanha, ou as várias modalidades de votação? Atualmente, usa-se o quociente eleitoral, mas ainda existem as alternativas do voto distrital puro, distrital misto, o "distritão" sugerido pelo PMDB, o voto em lista fechada pleiteado pelo PT, e a votação em dois turnos proposta pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), em que primeiro se vota nos partidos, e depois se escolhem os parlamentares. Não se pode esperar que todos entendam, em tão pouco tempo, o funcionamento de cada sistema, com suas vantagens e desvantagens, de modo a fazer uma escolha consciente.

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Parece-nos mais adequado o caminho que o MCCE se propôs a trilhar: a busca de 1,5 milhão de assinaturas para que sua proposta de Eleições Limpas seja levada ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular. A estratégia é similar à que foi usada pelo mesmo MCCE para conseguir levar adiante a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010. Por mais que, durante a tramitação, a proposta acabe alterada em alguns pontos, ela é, hoje, um conjunto coeso e coerente, que não contempla apenas a mudança no sistema eleitoral.

Não se discute a importância de compreender a voz das ruas. Mas não é preciso realizar um plebiscito para saber o que o povo deseja. Os brasileiros querem a reforma política, sim – e a querem há muito tempo; não é preciso organizar uma votação para saber disso. Mas vem faltando coragem à classe política para enfrentar o tema, ou, em outras palavras, falta coragem para fazer o trabalho para o qual foram eleitos; por isso o plebiscito se torna uma alternativa tão atraente para mascarar essa omissão. As manifestações nas ruas criaram um momento em favor da reforma política e aumentaram a sensação de que ela é inadiável. Mas, como bem observaram comentaristas e muitos manifestantes, ninguém foi às ruas com cartazes pedindo plebiscitos. O que o brasileiro espera da classe política é que ela faça o que fazem os demais cidadãos: trabalhe e cumpra seu dever.