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Editorial

Pobreza, pandemia e paliativos

Auxílio emergencial deveria terminar em 2020, mas há propostas para manter seu pagamento por mais alguns meses. (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Como frear o aumento da pobreza – especialmente a pobreza extrema – sem estourar ainda mais as contas públicas, que já vinham em estado precário antes da pandemia, e que pioraram ainda mais com as medidas de combate às consequências econômicas do coronavírus? O fim do auxílio emergencial deve jogar cerca de 3,4 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza extrema, aumentando para 17,3 milhões o número de pessoas que sobrevivem com menos de US$ 1,90 (pouco mais de R$ 10) por dia. Seria o pior índice desde o início da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, em 2012.

O auxílio emergencial, pago em parcelas que começaram em R$ 600 e terminaram o ano em R$ 300, amenizou o sofrimento de milhões de famílias que viram sua renda cair ou desaparecer, à medida que autoridades estaduais e municipais decretavam a suspensão de diversas atividades econômicas e restrições à movimentação de pessoas. Foi uma tábua de salvação, assim como os acordos para a preservação de empregos, com redução de jornada e salário ou suspensão de contrato. E esse pagamento é, provavelmente, o principal responsável por reduzir as projeções de queda do PIB brasileiro em 2020 – no auge da pandemia, no inverno, o FMI estimava queda de 9,1%; agora, fala-se em retração de cerca de 5%.

É possível manter o socorro aos brasileiros mais pobres sem criar ainda mais dívida? É possível remediar o presente sem colocar em risco o futuro e a confiança do investidor no Brasil?

O auxílio custou R$ 322 bilhões, que o governo teve como gastar graças à aprovação de legislação que dispensou o poder público das regras de controle fiscal. Apesar do custo e das suas consequências sobre os cofres públicos, não há como argumentar contra o acerto desta medida. Mas a avaliação de que manter os pagamentos em 2021 seria um grande risco unia até mesmo atores políticos que viviam trocando farpas por outros motivos – caso da equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que até o fim do ano passado se diziam contrários à prorrogação do auxílio. Havia a esperança de que, quando os pagamentos terminassem, a pandemia já estivesse em retração e a economia já estivesse se recuperando, criando emprego e renda.

No entanto, 2021 começa sem boas perspectivas. O desemprego não caiu e os números diários de novos casos e mortes por Covid-19 voltaram a subir no fim do ano passado. Governadores e prefeitos retomaram a rotina de decretos restritivos, novamente afetando negócios que ensaiavam uma recuperação. É este cenário que acena com o aumento da pobreza extrema e pede respostas, das quais a mais rápida seria justamente o que era rechaçado até pouco tempo atrás. Mesmo o governo já considera a possibilidade de novas rodadas de auxílio emergencial, preocupado com quedas nos índices de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Os principais candidatos à presidência da Câmara também já falam abertamente do tema. E, no Senado, já existem projetos de lei prorrogando tanto o auxílio quando o estado de calamidade pública, o que daria ao governo uma nova licença para gastar acima dos limites legais.

E isso nos traz de volta à questão inicial: é possível manter o socorro aos brasileiros mais pobres sem criar ainda mais dívida? É possível remediar o presente sem colocar em risco o futuro e a confiança do investidor no Brasil? Infelizmente, perdemos tempo precioso nesta discussão. No ano passado, a equipe econômica havia sugerido a Bolsonaro um projeto de transferência de renda reforçado, bancado pela extinção de benefícios considerados ineficazes, pagando mais que o Bolsa Família e incluindo mais pessoas – tudo isso respeitando o teto de gastos, apesar da margem mínima que um orçamento altamente engessado deixa ao governo. O presidente recusou a ideia e a trocou por uma gambiarra fiscal usando precatórios e dinheiro do Fundeb. A confusão criada foi tanta que hoje pouco ou nada se fala daquela que seria a “marca social” de Bolsonaro. E assim o Brasil pula de paliativo em paliativo, sem jamais atingir o objetivo de conciliar uma política fiscal responsável e uma boa rede de proteção aos brasileiros mais miseráveis.

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