“Distensão” é a palavra de ordem no Brasil atual. Ela não significa a eliminação das divergências ou das discordâncias, mas a capacidade de manifestá-las sem violências ou constrangimentos. Mas engana-se quem acredita que são apenas os dois lados da recém-encerrada disputa eleitoral que precisam baixar as armas. A distensão também precisa vir das instituições – e, em especial, do Poder Judiciário.
Durante o julgamento no plenário do TSE em que se votava a resolução que daria poder de polícia à corte, com a possibilidade de seu presidente ordenar de ofício a remoção de conteúdos “sabidamente inverídicos” que já tivessem sido alvo de julgamento anterior do tribunal, o ministro Edson Fachin usou uma expressão curiosíssima para se referir a tudo o que vinha ocorrendo graças à propensão da corte ao ativismo judicial. Fachin, que também integra o Supremo Tribunal Federal, falou em “arco de experimentação regulatória no ponto do enfrentamento ao complexo fenômeno da desinformação e dos seus impactos eleitorais”. Na mesma data, o plenário aprovava a censura prévia de um documentário da produtora Brasil Paralelo com justificativas que invocavam a “excepcionalidade” da situação, como se fosse possível abrir exceções a cláusulas pétreas constitucionais.
É preciso devolver o Brasil à normalidade democrática, judicial e constitucional. É preciso recuperar o verdadeiro sentido da liberdade de expressão, tão vilipendiada nos últimos anos com inquéritos abusivos, censuras e perseguição a brasileiros que não fizeram nada além de manifestar opiniões privadamente.
O fato é que a cúpula do Judiciário brasileiro vem colocando em prática um “arco de experimentação regulatória” ao menos desde 2019 – neste período eleitoral, apenas aumentou-se a dosagem do “remédio”. E podemos dizer, com toda a certeza, que o experimento é um fracasso completo. O Brasil não se tornou um país mais democrático, muito pelo contrário: agora, o princípio de que o Judiciário só age quando provocado tornou-se coisa do passado; a divulgação de fatos verídicos é proibida, enquanto a corte eleitoral chancela até mesmo direitos de resposta com informações factualmente mentirosas; a censura prévia está de volta; e cidadãos brasileiros recebem a visita das autoridades policiais por cometerem “crimes de pensamento” e “crimes de cogitação” em conversas privadas, realizadas em grupos de WhatsApp.
O Tribunal Superior Eleitoral empenhou-se tanto em seu “arco de experimentação” que conseguiu desmoralizar a si mesmo, tornando-se agente político e desequilibrando o processo eleitoral quando deveria pautar-se pela intervenção mínima de modo a garantir igualdade de condições entre os dois candidatos que foram ao segundo turno.
Por isso, é preciso dizer com clareza que o tempo da “experimentação” acabou. É preciso devolver o Brasil à normalidade democrática, judicial e constitucional. É preciso recuperar o verdadeiro sentido da liberdade de expressão, tão vilipendiada nos últimos anos com inquéritos abusivos, desmonetizações, censuras, remoção de perfis em mídias sociais e perseguição a brasileiros que não fizeram nada além de manifestar opiniões privadamente. O caso dos oito empresários vítimas de perseguição judicial pelas mãos de Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news, dos “atos antidemocráticos” e das “milícias digitais” no Supremo, é apenas um ponto extremo de todo um ciclo de arbitrariedades que não tem razão alguma para se perpetuar, até porque jamais deveria ter existido.
De nada adianta que bolsonaristas e petistas se empenhem em jogar dentro das “quatro linhas” da Constituição se o Judiciário também não fizer o mesmo a partir de agora. Não se defende a democracia violando as liberdades democráticas.
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