Não contente em desempenhar o papel de polícia política de Lula, a Advogacia-Geral da União (AGU), chefiada pelo advogado Jorge Messias, agora quer ser a responsável por derrubar toda uma plataforma de comunicação, o X, anteriormente conhecido como Twitter. Em um documento encaminhado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, obtido com exclusividade pela Gazeta do Povo, a AGU indica que pretende pedir a suspensão ou mesmo a dissolução da empresa no Brasil, caso obtenha provas de que o X “prejudicou” investigações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Para embasar o pedido, a AGU quer acesso às informações e possíveis provas obtidas pelo STF durante a investigação aberta pela corte há duas semanas para apurar se Elon Musk, proprietário do X, cometeu obstrução da justiça. Além disso, a AGU também apresentou uma “notícia de fato” ao STF contra a divulgação de documentos sigilosos nos chamados Twitter Files Brasil na rede social X. Segundo a AGU, haveria indícios de “provável ocorrência de crime contra o Estado Democrático de Direito e contra as instituições, em razão da divulgação de informações sigilosas, às quais foi atribuído segredo de justiça”. Para punir a empresa, a AGU pretende acionar a Lei Anticorrupção, que responsabiliza companhias que praticam atos contra a administração pública.
Com uma canetada, a AGU pretende cometer um ato de censura em massa, cerceando o direito de 22 milhões de brasileiros que usam a rede social.
Na visão da AGU, a X Brasil Internet Ltda., sediada em São Paulo, poderia ser enquadrada no ato lesivo de “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos”. No documento, a AGU também pediu que a petição fosse colocada sob sigilo – o que foi atendido pelo ministro Alexandre de Moraes. Ao atender o pedido, Moraes retirou a peça do inquérito das milícias digitais, em que a petição foi protocolada, e a colocou para tramitar de forma autônoma e sigilosa dentro do STF. Com isso, não será possível à sociedade conhecer o teor das decisões do ministro no caso, um grande risco, considerando a gravidade da petição e suas possíveis consequências.
Logo após Elon Musk ter revelado que executivos do antigo Twitter sofreram pressão de parte do Judiciário brasileiro, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, para censurar perfis do Twitter não alinhados à esquerda, Messias já tinha esbravejado contra Musk e prometido tomar medidas para tentar calar o empresário, fazendo eco aos representantes do governo e parlamentares de esquerda que acusaram o bilionário de “porta-voz da extrema-direita global” e pediram sua criminalização.
No dia 9 de abril, Messias usou o próprio X, a rede social que pretende calar, para anunciar que o “Estado brasileiro” – leia-se governo Lula e aliados – tomaria medidas contra “o discurso de ódio, a desordem informacional e o extremismo” – as mesmas palavras que se tornaram padrão nas tentativas de criminalizar qualquer discurso ou manifestação de que o governo não goste. Mas não chegou a mencionar que a intenção mesmo era tentar suspender a rede social no país, coisa que atualmente só acontece em ditaduras como China, Irã, Coreia do Norte e Rússia.
O argumento da AGU de que os documentos relevados por Musk seriam protegidos por segredo de Justiça no nosso entender não se sustenta. No caso do Twitter Files, o suposto vazamento, na hipótese aventada pela AGU, partiu de funcionários de uma empresa privada e não envolveu propriamente documentos sigilosos do STF e do TSE, mas somente trechos de e-mails corporativos em que faziam menção a algumas decisões de Alexandre de Moraes. O interesse público do que foi divulgado também precisa ser avaliado – os materiais contêm indícios de casos de censura prévia e tentativas de obtenção de dados protegidos, que não chegariam a conhecimento do público se não fossem divulgados.
É curioso pensar qual seria o interesse do governo Lula – representado pela AGU – em querer a todo custo calar o X no país.
Igualmente absurdo é o argumento de que a rede teria permitido uma “dolosa instrumentalização criminosa” da rede social para favorecer a disseminação de “notícias fraudulentas” contra as instituições, por parte das chamadas “milícias digitais” – mesmo nome que o ministro Alexandre de Moraes dá a um grupo de políticos, comentaristas e influenciadores digitais que, segundo ele, promovem “ataques” ao STF e ao TSE. Aqui a AGU parece enveredar pelo caminho das teorias conspiratórias, levantando hipóteses absurdas sobre a existência de um plano maquiavelicamente construído pelo X contra as instituições, esquecendo que, se algum usuário da rede cometeu algum crime previsto na lei brasileira, é ele quem deve ser alvo de punição – desde que seu crime seja devidamente comprovado. Propor o fim da rede social no país soa totalmente desproporcional.
Não há nenhum argumento que justifique o fechamento do X no Brasil. A penalização da empresa nesse caso representa uma ameaça grave à liberdade de expressão no país. A AGU não pretende responsabilizar apenas os executivos do X, apontados como possíveis responsáveis por atos ilícitos ou eventuais usuários da rede que a usaram para cometer algum crime – e, frise-se, até agora não há comprovação de que de fato algum crime foi cometido; ela pretende encerrar de vez a plataforma no Brasil. Com uma canetada, a AGU pretende cometer um ato de censura em massa, cerceando o direito de expressão de 22 milhões de brasileiros que usam a rede social.
É questionável também a participação da própria AGU neste caso. Sabe-se que, no governo Lula, a AGU, além de ter como função defender os interesses diretos do governo Lula – foi a AGU, por exemplo, que entrou com uma ação no STF pedindo que a decisão do Congresso sobre a desoneração da folha fosse derrubada – agora também está relacionada com o “Ministério da Verdade” de Lula. É dentro da AGU que funciona a chamada Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, que tem entre suas funções de “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Mas no caso da petição que pretende encerrar o X no Brasil, a AGU está agindo na defesa dos interesses do Judiciário, especialmente das altas cortes, as principais atingidas pelas revelações dos Twitter Files Brasil.
Toda a argumentação da AGU, aliás, baseia-se em supostos danos ao Judiciário e seus processos, não há nenhuma menção a qualquer crime ou prejuízo aos interesses do Estado brasileiro. É curioso pensar qual seria o interesse do governo Lula – representado pela AGU – em querer a todo custo calar o X no país. Se a AGU estivesse interessada de fato em defender os interesses do país, deveria, em vez de dar andamento a maquinações desprovidas de qualquer razoabilidade para encerrar a rede social no Brasil, dar o apoio às iniciativas que querem trazer luz aos excessos cometidos pelo Judiciário.
Não se sabe ainda qual será a resposta do STF ao pedido da AGU – e com a declaração de sigilo do ministro de Moraes sobre o documento será muito mais difícil para a sociedade acompanhar o desenrolar do caso. Como bem mencionou o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), embora não seja surpresa ver a AGU apresentar tal pedido, “o Judiciário conceder é que seria algo muito mais grave". Mas, levando-se em conta a situação surreal que vivemos, existe, sim, a possibilidade de o insólito plano da AGU para dar fim ao X no Brasil ir adiante – o que seria absolutamente inaceitável em qualquer democracia.
É de se perguntar se nossos parlamentares, que há anos parecem adormecidos diante dos reiterados excessos das altas cortes brasileiras – foi preciso, inclusive, que parlamentares americanos elaborassem um relatório para denunciar a censura no Brasil – vão continuar de olhos fechados, aceitando placidamente tantos acintes, agora com o reforço da AGU, contra a democracia brasileira. Já passou da hora de o país abrir a caixa-preta das altas cortes, instalar a CPI do Abuso de Autoridade, que desde novembro do ano passado espera a boa vontade do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para sair do papel. É preciso colocar o Brasil de novo no caminho da normalidade.
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