Trump e Bolsonaro durante entrevista coletiva na Casa Branca em 19 de março de 2019.| Foto: Isac Nóbrega/PR

A primeira lição da diplomacia, como ciência das relações entre nações, é que as principais armas são: abertura à negociação, disposição para o diálogo, respeito pelas diferenças, capacidade de ouvir, educação no trato pessoal, aceitar concessões. A diplomacia é um método, um jeito de se relacionar, negociar e solucionar conflitos. Quanto mais a diplomacia é exercida e quanto mais funciona, menores são as chances de conflitos, rupturas, revanches, crises e até guerras. Não é por outra razão que os diplomatas de carreira devem fazer cursos, adquirir conhecimentos e ser treinados na arte das relações internacionais.

CARREGANDO :)

A segunda lição importante é a compreensão de que os países têm seus problemas internos, suas carências e necessidades, sendo normal, portanto, que cada governo defenda os interesses nacionais e busque obter vantagens nas negociações com o resto do mundo, como também é normal que haja diferenças de cultura, regime político, sistema econômico e planos de desenvolvimento. Entender que as nações têm seus interesses e que irão defendê-los com vigor é obrigação das autoridades governamentais e, mais especialmente, das autoridades responsáveis pelas relações exteriores.

Diferenças, divergências e conflitos de interesses são normais, e amizades pessoais jamais vão se sobrepor aos interesses nacionais

Publicidade

Assim sendo, o bom relacionamento, a cordialidade e a amizade entre chefes de Estado são louváveis e favoráveis ao êxito das relações econômicas, políticas, culturais e sociais entre as nações. Entretanto, nenhuma amizade se sobrepõe aos interesses. A recente declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que seu governo iria tributar a importação de aço e alumínio do Brasil, sob o argumento (equivocado) de que o Brasil implementou forte desvalorização do real frente ao dólar, e que isso criaria vantagens ao exportador brasileiro em detrimento do produtor nacional norte-americano, provocou uma avalanche de críticas e cobranças sobre onde estaria a tão falada amizade entre o presidente brasileiro e o presidente norte-americano.

De início, vale lembrar que declarações de chefes de Estado têm dois aspectos: um é o caráter de retórica política, destinada ao público interno, sobretudo aos setores diretamente atingidos (como no caso dos industriais norte-americanos); outro é o caráter econômico e a real efetivação das medidas anunciadas, quando e em que dimensão. Geralmente, a celeuma verbal derivada das declarações e ameaças acaba se mostrando maior que a dimensão das medidas, isso quando elas realmente são efetivadas, pois muitas vezes nem sequer se chega a esse ponto – e parece ser esse o caso na questão da sobretaxa, pois, na segunda metade de dezembro, Jair Bolsonaro afirmou ter conversado com Trump, que teria desistido da medida. Em segundo lugar, as declarações e as ameaças têm o efeito de assustar o país afetado e colocar as autoridades locais em disposição para ouvir, analisar e negociar.

Ainda na mesma área de abrangência desse tema está o problema da relação entre Brasil e Argentina. O atual governo brasileiro, sob a chefia do presidente Bolsonaro, professa a defesa da democracia, a economia de mercado, o respeito aos direitos humanos e o cumprimento dos acordos internacionais. E algo próprio da democracia é o rodízio de liderança; logo, a eleição do esquerdista Alberto Fernández deve ser vista como normal. Após o resultado, o brasileiro afirmou: “Torci pelo outro [por Macri], mas vamos em frente, da minha parte não tem qualquer retaliação. Espero que eles [Fernández e sua vice Cristina Kirchner] continuem fazendo política conosco semelhante ao que o Macri fez até agora”.

Depois de uma série de idas e vindas sobre o representante brasileiro na posse de Fernández, Bolsonaro decidiu enviar o vice Hamilton Mourão, em vez de optar por um ministro ou embaixador. Considerando a escalada de declarações dos dois lados antes da posse e a lista de convidados dos peronistas – que incluía os ditadores de Cuba e da Venezuela, além da ex-presidente Dilma Rousseff e o condenado Lula, embora apenas o cubano tenha comparecido –, era até compreensível a opção de Bolsonaro por não ir pessoalmente ao evento. Mas, ao escolher um representante do primeiro escalão apenas no último momento, o brasileiro quase perdeu a chance de uma distensão com o novo presidente, reafirmando a posição brasileira de defesa dos valores políticos, econômicos e humanos já mencionados, e manifestando a disposição de tentar salvar o Mercosul da falência.

Brasil e Argentina têm longo histórico de relações comerciais e de fronteira, cada um com seus interesses, e as relações bilaterais vão continuar sejam quais forem os chefes de governo dos dois países. Relacionar-se apenas com amigos e com nações iguais é, de certa forma, fácil. Já as relações com nações diferentes, governadas por líderes de outras correntes ideológicas e com interesses conflitantes, são exatamente aquelas que exigem maior competência diplomática, maior habilidade de negociação e mais disposição para o diálogo.

Publicidade

Os dois episódios – o da ameaça de Trump e o da posse de Fernández – mostram que as diferenças, as divergências e os conflitos de interesses são normais, e que amizades pessoais jamais vão se sobrepor aos interesses nacionais. A compreensão desses aspectos ajudará o Brasil a ser mais eficiente e mais exitoso nas relações com seus parceiros internacionais, entre os quais os Estados Unidos e a Argentina ocupam posição de destaque. A postura intolerante na diplomacia internacional vem se tornando comum entre chefes de governo em vários países – alguns chegando à truculência, a exemplo de Nicolás Maduro na Venezuela, com prejuízos para seu próprio povo – e, definitivamente, a intolerância não é uma boa receita de progresso nas relações internacionais.