Embora a manifestação mais comum do ativismo judicial seja a intromissão na seara do Poder Legislativo, pela qual o Judiciário resolve escrever ou alterar leis por conta própria, outra faceta dessa interferência é a propensão de juízes a impor políticas públicas. Apenas no passado recente, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal já atropelou o Poder Executivo em termos de política sanitária e migratória, quando impôs um “passaporte de vacina” para a entrada no Brasil – ainda por cima, com critérios bastante ilógicos –, e resolveu fazer política tributária ao impedir o governo federal de reduzir alíquotas de IPI. Agora, o Supremo, sempre provocado por partidos de esquerda nesses casos, também quer mostrar aos gestores como eles devem tratar a população de rua.
Atendendo a pedido da Rede, do PSol e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST, que não tem legitimidade formal para entrar com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, um detalhe convenientemente ignorado), o ministro Alexandre de Moraes tornou obrigatório o que era opcional. Ao exigir que, em 120 dias, o governo federal apresente um plano de ação e monitoramento para a implementação de uma política nacional para moradores de rua, e impor uma série de obrigações também a estados e municípios, Moraes na prática está empurrando goela abaixo de governadores e prefeitos a adesão à Política Nacional para a População em Situação de Rua, criada pelo Decreto 7.053/2009. O detalhe está no fato de que o próprio decreto previa o caráter facultativo dessa política ao afirmar que ela “será implementada de forma descentralizada e articulada entre a União e os demais entes federativos que a ela aderirem por meio de instrumento próprio”.
Quem é tão miserável a ponto de não ter um teto para chamar de seu certamente está entre os brasileiros mais vulneráveis, que merecem atenção especial da sociedade e do Estado. Mas esta é tarefa dos representantes eleitos pelo povo, não do STF
A existência de pessoas vivendo nas ruas é uma vergonha nacional que o caos econômico trazido pela pandemia de Covid intensificou; a maneira como a sociedade e o poder público tratam essas pessoas é um indicativo forte do grau civilizacional em que estamos. Essas pessoas precisam ter seus direitos respeitados, inclusive o de não ter seus poucos pertences tomados pelo poder público – causou indignação, por exemplo, o episódio de 2016 em que a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo levou cobertores de moradores de rua em pleno inverno paulistano. Políticas públicas com o objetivo de evitar que alguém passe a viver nas ruas, bem como de dar um teto a essas pessoas, são essenciais. Nada disso está em questão aqui; o problema é a forma como o Judiciário, por meio do STF, se julga investido do poder de determinar o que deve ser feito em cada canto do país a esse respeito.
Além disso, o recurso ao chamado “estado de coisas inconstitucional” como justificativa para a interferência do Poder Judiciário neste caso abre um precedente complicado. As expressões “direito de todos” e “dever do Estado” aparecem, conjugadas, três vezes na Constituição, em referência à saúde, à educação e à segurança pública. Além desses três direitos, o artigo 6.º lista uma série de outros “direitos sociais”. O raciocínio do “estado de coisas inconstitucional”, levado ao extremo, daria ao Judiciário o direito de interferir, definir políticas públicas e criar obrigações para o Poder Executivo para sanar praticamente qualquer situação em que esses direitos não estivessem plenamente garantidos no país – o que, no fim das contas, é o caso de todos os direitos listados na Carta Magna.
Quem é tão miserável a ponto de não ter um teto para chamar de seu certamente está entre os brasileiros mais vulneráveis, que merecem atenção especial da sociedade e do Estado. Mas esta é tarefa dos representantes eleitos pelo povo, que inclusive merecem ser julgados nas urnas pela forma como tratam ou deixam de tratar a população de rua. As melhores soluções são encontradas de baixo para cima, já que cada município ou estado tem particularidades próprias. A canetada de Alexandre de Moraes ignora a separação de poderes e a subsidiariedade, sem que com isso uma única pessoa em situação de rua encontre um abrigo. Cabe ao plenário do STF, que começa a julgar a liminar em 11 de agosto, de forma virtual, perceber todos esses equívocos e restabelecer o papel de cada poder.
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