“Não tem espaço fiscal para absolutamente nada de novo e, ao contrário, nós teríamos que tirar de despesas discricionárias”, afirmou, na manhã desta sexta-feira, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, comentando o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias que o governo federal estava prestes a enviar. O texto, segundo a ministra, iria “assustar” por “mostrar o Brasil real, o Brasil que nós temos em relação às contas públicas”. O que Tebet não disse é que este “Brasil real” assusta por ser um Estado inchado, ineficiente e totalmente incapaz de colocar sua despesa sob controle porque sua classe política continua firmemente adepta do terraplanismo orçamentário da geração espontânea de dinheiro público.
O teto de gastos, inserido na Constituição em 2016 como resposta aos anos de gastança ilimitada do petismo e que legaram ao país a pior recessão de sua história, que não foi igualada nem mesmo pelo desastre da pandemia de Covid-19, trazia consigo uma série de efeitos benéficos na rigidez que impedia o aumento real (ou seja, acima da inflação) da despesa pública. Alguns eram mais óbvios, como o fato de que recursos adicionais oriundos de fontes extraordinárias (como privatizações e concessões) ou arrecadação maior em tempos de economia forte seriam usados para abater a dívida pública, em vez de transformados em novas despesas. Mas também havia um efeito pedagógico: os políticos seriam forçados a ter de fazer escolhas para alocar melhor um dinheiro que não era infinito.
Nem mesmo uma boa regra fiscal tem como funcionar quando os encarregados de colocá-la em prática pensam unicamente em acrescentar mais e mais rubricas a um Orçamento já muito engessado, em vez de reduzir e otimizar os gastos
A mensagem do teto de gastos era evidente: seria preciso atacar a despesa. Agir para conter a expansão desordenada das principais rubricas do Orçamento, como os gastos com funcionalismo e Previdência Social; e eliminar a gordura dos desperdícios, dos penduricalhos, dos privilégios, dos programas mal desenhados e ineficientes. Do contrário, era evidente que o teto de gastos não suportaria a pressão. Tebet criticou o fato de o teto não ter sido acompanhado da reforma tributária, mas ela, por mais necessária que seja, agiria no lado da receita. As grandes reformas que sustentariam o teto ao racionalizar a despesa seriam a da Previdência e a administrativa – esta última foi negligenciada pelo governo Bolsonaro, que mesmo enviando um texto ao Congresso não se esforçou por sua aprovação, e abandonada definitivamente por Lula; aquela ficou aquém do que poderia ter sido, graças a pressões corporativistas que mantiveram vários privilégios.
E, como se não bastasse não realizar o corte necessário, os políticos seguiram avançando sobre o dinheiro do cidadão: do “orçamento secreto” das emendas de relator ao bilionário fundo eleitoral, da PEC dos Precatórios à PEC fura-teto, não faltaram ideias para evitar as indesejáveis escolhas que o teto forçava Executivo e Legislativo a fazer, escolhas que tinham de ser feitas, mas que inevitavelmente desagradariam grupos de pressão. O resultado foi o descrito por Tebet: “de tanto que foi furado (...), [o teto] já ruiu. Ele caiu em cima da nossa casa”. O negacionismo orçamentário de governantes, deputados e senadores de todos os lados do espectro político causou a desmoralização e, depois, a destruição de uma regra fiscal que, se bem utilizada, poderia ter levado ao enxugamento do Estado, à eliminação de desperdícios, à racionalização do gasto público e a reformas estruturantes que elevariam a confiança dos investidores na saúde fiscal do Brasil, atraindo investimento e gerando emprego e renda.
A história de como o teto de gastos ruiu é o resumo de uma maldição brasileira: nem mesmo uma boa regra fiscal tem como funcionar quando os encarregados de colocá-la em prática pensam unicamente em acrescentar mais e mais rubricas a um Orçamento já muito engessado, em vez de reduzir e otimizar os gastos, fazendo um pente-fino em despesas e programas para preservar o que é necessário e funciona, e eliminar os vertedouros de dinheiro público baseados em privilégios, desperdícios, ineficiência e imoralidade. Se foi assim com uma regra austera como o teto, o que esperar de um novo arcabouço que garante expansão real de gasto público mesmo quando a economia vai mal, e com um presidente adepto de jogos de palavras segundo os quais “investimentos” não são “gastos”?
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