O ensino permanece o mais crônico de nossos problemas. A diferença entre o hoje e o ontem é que onde antes sempre se leu “quantidade” hoje se deve ler “qualidade”. A variante semântica não quer dizer que haja escolas e professores saindo pelas portas. O volume de recursos e equipamentos – ainda que debaixo de melhoras – permanece no estágio “calça pula brejo”. O Brasil conta com áreas carentes e mesmo nas mais abonadas permanece o fantasma das salas lotadas e de inadimplência dos docentes, para citar duas rusgas.
A questão é que, com o aumento do volume de dinheiro devotado à educação, mais e mais vem à tona o nível de desempenho insatisfatório de nossas escolas. Há quem diga – com certo temor de virar alvo de um panelaço – que o problema não é propriamente dinheiro. Afinal, muitas vezes a verba “pinga” e não redunda em melhora no aprendizado. Não é questão boba, pois o verbo ensinar prima pela falta de exatidão; é palavra que não se rende a fórmulas matemáticas nem a discursos inflamados. De qualquer modo, somando olhares, análises e experiências daqui e dali, tem-se evidências o bastante para afirmar que ensinar melhor exige mais do que um punhado de dólares.
Os grupos de professores mais aptos a “bolar” avaliações tendem a gerar alunos com mais capacidade de aprendizado
Vale citar um dos trabalhos mais recentes sobre o assunto: o belo livro As crianças mais inteligentes do mundo – e como elas chegaram lá, da jornalista investigativa norte-americana Amanda Ripley. Fruto de análise exaustiva, a obra põe na berlinda o modelo de três países: Finlândia, Polônia e Coreia do Sul. A escolha de Ripley, para surpresa de quem esperava eleições mais consagradas, nasceu de muito gasto de sola de sapato, milhagens, tabelas e mais tabelas, esforços que levaram a esses três países nos quais o ensino, na avaliação da pesquisadora, vai bem, obrigado.
O trio de bem-sucedidos, contudo, nada tem de elogio a bandeiras nacionalistas. Os espartilhos do ensino coreano, por exemplo, são dignos de desconfiança. O ranking serve de amostragem de um indício que precisa virar bandeira – é difícil ensinar; ensinar é uma arte; uma aula dada ontem não sobrevive ao dia de hoje; quem ensina precisa compor exercícios, experimentar avaliações, fazer das tripas para que o conteúdo seja repassado, de forma criativa. O conteúdo precisa fazer sentido. Assim falando, parece que a responsabilidade recai toda sobre as costas dos professores – algo pesado sobremaneira para os mestres brasileiros, às voltas com um decálogo de responsabilidades.
Conta, é claro, o professor capaz de elaborar o aprendizado. Mas ensinar é também resultado de planejamento escolar e ação coletiva dentro do sistema de ensino. Antes de Ripley, o polono-americano Martin Carnoy havia alertado sobre algo semelhante, ao destacar que os grupos de professores mais aptos a “bolar” avaliações tendiam a gerar alunos com mais capacidade de aprendizado. Ora, a inventividade na feitura de uma prova, por exemplo, exige tempo, estudo, debate acadêmico. E aqui cabe se render ao que pisam e repisam tantos pedagogos – ensino é currículo e avaliação. O resto, diriam alguns, é perfumaria.
Essa conversa, é claro, mexe com nervos e juízos do professorado, mas não resta saída: a educação se transformou em uma verdadeira catarata sobre nossas cabeças. O caso brasileiro se mostra particularmente delicado. Na última década aumentou o número de brasileirinhos nos bancos escolares, mas são imensos os indícios de que os professores continuam se batendo para dar conta da, digamos, nova ordem de aprendizagem. Não se trata de apontar culpados, mas de enfrentar um fato. A exemplo da Polônia, por exemplo, depois da universalização resta perseguir a excelência em sala de aula, uma força-tarefa que não se resolve em um dia.
Um dentre os muitos sinais de que já são horas de se mexer é o resultado recém-lançado do movimento Todos pela Educação. Das cinco metas educacionais do programa, quatro não foram alcançadas. A inclusão avançou, mas quase 3 milhões de brasileiros entre 4 e 17 anos permanecem fora da escola. É muita gente. A evasão nas séries finais do ensino médio se mantém a níveis escandalosos: estima-se que 54% dos jovens nesse período da formação estejam fora da chamada “idade-série”. Desperiodizados, são sérios candidatos a se ausentarem de uma vez por todas.
Os dois outros pontos dizem respeito à alfabetização plena para crianças até 8 anos; e ao domínio de conteúdos básicos de Matemática e Português no ensino médio. O item em que o Brasil se saiu bem? Os investimentos, sempre no crescente, atingindo 5,6% do PIB. O dinheiro, ou a falta dele, alardeado como a causa das nossas mazelas, engrossou, mas algo na equação ainda não funciona. A “pátria educadora” virou motivo de chacota. O ano de 2015 vai ficar para a história como aquele em que os professores cuspiram fogo, tamanha a insatisfação. Ruídos não faltam. Resta agora respirar fundo e colocar na ponta do lápis o mapa a seguir. Difícil? Dificílimo. É o maior dos nossos desafios. Só chegaremos a ele minimamente juntos.