A posse da nova ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, marcada para hoje, trouxe à tona uma questão que estava resolvida para os brasileiros e para o governo da presidente Dilma. Eleonora é favorável à descriminalização do aborto, já declarou publicamente que praticou o crime e vê esse debate como uma questão de saúde pública, como a aids e o uso do crack, por exemplo.

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Menicucci disse nesta semana que agora sua posição é de governo e que o assunto está nas mãos do Legislativo. Apesar de ter amenizado o discurso a favor da descriminalização da prática após sua indicação para a pasta, é preciso que a posição do governo em relação ao assunto fique clara. Durante a campanha eleitoral, reagindo a apelos da sociedade, Dilma assumiu o compromisso de que não adotaria nenhuma medida pró-descriminalização do aborto se eleita. Dessa forma, o tema continuou no ponto em que estava, com a aprovação da maioria absoluta dos brasileiros: o aborto é crime.

Ainda no fim do ano passado, o governo federal enviou uma Medida Provisória (MP) ao Congresso propondo a criação do cadastro de gestantes, que continha um artigo referente aos direitos do nascituro. Tal artigo desagradou a entidades pró-aborto por considerarem que dificultaria o ato em duas situações: quando a gestação fosse resultado de estupro ou quando pu­­desse causar riscos à vida da mãe. De acordo com o Código Penal, apesar de criminoso, a realização do aborto nesses casos não é punida. Depois do "mal-entendido", a presidente Dilma Rousseff resolveu retirar a MP.

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O episódio mostra que não há consenso sobre o tema dentro do próprio governo e, ao jogá-lo para o Legislativo, a nova ministra sugere que partam dos deputados projetos para que o assunto volte a ser debatido.

Além de Executivo e Legislativo, o tema deve passar ainda neste ano por um debate acalorado no Poder Judiciário, visto que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2008, o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54. Na ação se pleiteia a possibilidade de liberar o aborto para fetos anencefálicos. Menos direto, o texto fala em "antecipação terapêutica do parto", com o argumento de que não se trata exatamente de um aborto. É um claro tom eufemístico com o intuito de camuflar o real objetivo da ADPF: abrir o caminho de modo a facilitar a descriminalização do aborto e, pior, permitir uma seleção eugênica dos fetos.

Nesse julgamento o que está em jogo é a proteção jurídica do nascituro, embora haja da parte dos defensores da ADPF uma clara tentativa de limitar o debate ao campo religioso, ignorando que os argumentos apresentados por pessoas de variados credos têm fundamentação no direito, na ética e na ciência. Do ponto de vista jurídico, a aprovação da arguição abriria o perigoso caminho para o desrespeito aos seres humanos deficientes, contrariando o preceito fundamental que assegura a todos o direito à vida, previsto no artigo 5.º da Constituição Federal.

Os argumentos de quem é favorável à interrupção da gravidez nesses casos dizem respeito às chances de sobrevivência de crianças nessa situação, que viveriam poucas horas ou até mesmo morreriam dentro do útero. Ora, só morre quem tem vida e uma vida de poucos segundos não tem menos valor do que uma de longos anos. Re­­la­­tivizar a importância de uma vida é abrir mão da ética, é ferir a dignidade da pessoa humana.

Por dever ético e legal temos de respeitar a vida. E isso vale especialmente para aqueles que não podem falar por si mesmos, caso de qualquer nascituro. E é dever, principalmente da gestante e de seu companheiro, assegurar a proteção necessária para que a criança nasça e tenha a chance de viver uma vida digna, seja longa ou breve. Como já dito neste espaço anteriormente, a proteção constitucional da dignidade humana abrange a todos, mas deve ser particularmente considerada quando se trata dos mais frágeis. A capacidade de amar aqueles que pouco podem retribuir faz com que uma sociedade se estruture sobre bases éticas sólidas.

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Pesquisas mostram que a grande maioria dos brasileiros se opõe ao aborto. Um levantamento feito pelo Datafolha em outubro de 2010, justamente durante a corrida eleitoral para a Pre­­sidência, revela que 71% dos brasileiros são contrários à descriminalização e que somente 7% a apoiam. A vontade da maioria é clara e muitos brasileiros podem nem ter percebido a necessidade de reafirmá-la neste momento. É no governo que está faltando clareza. Espera-se que a presidente seja mais explícita para que a sociedade saiba como manifestar-se. Dilma manterá a promessa de campanha ou deixará que a preferência pessoal da nova ministra prevaleça e que seja reaberto um debate que parecia superado?