A transição de poder nos Estados Unidos se completa nesta quarta-feira. Em 3 de janeiro, tomaram posse os senadores e deputados eleitos dois meses antes, mantendo a maioria democrata na Câmara e ganhando espaço no Senado. Para completar o Congresso, faltava definir apenas duas cadeiras no Senado, ambas do estado da Geórgia, que os democratas conquistaram no segundo turno, igualando forças com os republicanos. Esses senadores tomam posse neste dia 20, quando o também democrata Joe Biden se tornará o 46.º presidente dos Estados Unidos, sucedendo Donald Trump – o republicano nem mesmo comparecerá à cerimônia, que terá segurança bastante reforçada depois da invasão do Capitólio ocorrida no dia 6.
Repete-se, assim, o que ocorreu com Barack Obama no início de seu primeiro mandato, em 2009, e com o próprio Trump quando tomou posse, em 2017: o presidente que assume terá a maioria nas duas casas do Congresso, já que no Senado o desempate caberá à vice-presidente Kamala Harris. Os republicanos poderiam ter evitado este cenário se tivessem conseguido a reeleição de pelo menos um de seus dois senadores da Geórgia. Mas a obsessão de Trump em reverter o resultado da eleição presidencial, que segundo ele foi marcada por fraude generalizada, desmobilizou o eleitor republicano – no segundo turno para o Senado, a participação nas zonas rurais, tradicionalmente republicanas, ficou abaixo da média. Na ponta contrária, os eleitores democratas, percebendo a possibilidade real de conquistar a maioria no Senado, compareceram às urnas em maior número.
A derrota de Trump, com ou sem impeachment, força os republicanos a separar o joio do trigo
Uma eventual maioria republicana no Senado forçaria Biden e os democratas a levar adiante uma plataforma mais moderada, já que seria necessário convencer alguns poucos senadores republicanos – e, apesar do acirramento da polarização política visto em ambos os partidos, certamente continua havendo parlamentares dispostos a trabalhar com colegas da legenda rival, dependendo das propostas que estão na mesa. Mas, com os democratas sendo maioria nas duas casas, há dúvidas sobre como o partido se conduzirá, já que a ala mais radical, representada principalmente pelas deputadas Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Ayanna Pressley e Rashida Tlaib, vem ganhando força. Serão os democratas moderados, agora, os responsáveis por frear as plataformas mais extremistas, muitas delas baseadas na intensificação das políticas identitárias que, em vez de criar pontes e combater o preconceito, acabam dividindo ainda mais a sociedade. Alguns desses moderados certamente se lembrarão de que, nas eleições de meio de mandato (as midterms) de 2011 e 2017, o eleitor inverteu a maioria na Câmara, concedendo-a ao partido que estava na oposição.
Não serão apenas os democratas que precisarão encontrar seu caminho no governo, escolhendo entre a moderação ou a radicalização. Também os republicanos terão um longo trabalho a fazer com a herança mista deixada por Donald Trump. Suas políticas em defesa da vida e da família foram extremamente positivas, a economia norte-americana apresentava ótimos números antes da pandemia e suas nomeações para a Suprema Corte foram excelentes. Tudo isso, no entanto, veio contrabalançado por um enorme culto à personalidade, misturado com agressividade desmedida e desprezo pelas instituições democráticas. Não à toa o ato final de seu período na Casa Branca foi uma campanha de desmoralização do sistema eleitoral, culminando com a invasão do Capitólio, episódio que lhe rendeu uma segunda acusação de impeachment, aprovada na Câmara e que ainda deve ser analisada pelo Senado, mesmo depois do fim de seu mandato.
A derrota de Trump, com ou sem impeachment, força os republicanos a separar o joio do trigo. As políticas de cunho conservador e a defesa da liberdade econômica, para ficar em apenas alguns legados positivos desses quatro anos, não precisam vir acompanhadas de xenofobia, belicosidade, desprezo pela democracia ou ataques à imprensa livre – para ficar, também, em apenas alguns dos aspectos negativos do trumpismo. Para o bem e para o mal, Trump serve de exemplo aos republicanos, que precisam aprender a manter a firmeza de convicções sem repetir as falhas de caráter do presidente que ora deixa o cargo.
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