Em agosto de 2022, o ministro Alexandre de Moraes tomou posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral com uma série de afirmações elogiáveis sobre a liberdade de expressão. Afirmou, por exemplo, que “a liberdade do direito de voto depende preponderantemente da ampla liberdade de discussão”; que “tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitorado e sobre os seus próprios governantes”; que “a democracia não resistirá (...) onde a liberdade de expressão for ceifada”; e que “a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima”. O que se seguiu depois disso o Brasil inteiro viu, com o TSE mais liberticida de todos os tempos e o desequilíbrio escancarado do debate eleitoral em favor de um candidato.
Já a sucessora de Moraes à frente da corte eleitoral, ministra Cármen Lúcia, nem precisou disfarçar e prestar homenagens àquela garantia constitucional que ela mesma ajudou a derrubar, como integrante do TSE durante o período em que Moraes foi presidente. Seu discurso de posse não teve nenhuma menção explícita à liberdade de expressão – há, no máximo, alusões genéricas a “liberdades”, por exemplo quando a ministra as descreve “como antídoto contra os medos, contra as mentiras e falsidades que enganam a vida e desvirtuam as relações”, e uma referência à “liberdade de informação séria e responsável”, que ela diz ser “o remédio eficaz” contra o “vírus da mentira” – talvez um dos raros momentos felizes do discurso, mas que, a julgar por suas outras afirmações e sua prática recente no TSE, também não se tornará realidade.
Também não há nada parecido com a promessa de uma “intervenção mínima” por parte da Justiça Eleitoral no debate público – pelo contrário, a nova presidente do TSE promete postura de muita interferência (embora, obviamente, não use essa palavra), a ponto de falar em “se prevenir contra” as mentiras. Todo o seu discurso, aliás, foi permeado pelo tema das “mentiras”, do “ódio”, dos “medos”, da “raiva desumana”, como se o país estivesse totalmente dominado pelo “poderoso ecossistema das plataformas”, sempre com a pior intenção possível.
Contra essa enorme ameaça, vem em socorro do brasileiro não a “informação séria e responsável”, que efetivamente é o melhor antídoto contra a mentira, mas sim um TSE paternalista e que não hesitará em usar o porrete, como vem fazendo desde 2022, com direito a censura prévia endossada pela própria Cármen Lúcia, mas também por meio do incentivo à autocensura – a tal “prevenção” citada no discurso. Afinal, são da lavra da ministra as recentes resoluções que não só ampliam o poder de polícia da corte como também obrigam as plataformas a se juntar à “polícia do pensamento”, incentivando-as a apagar por conta própria conteúdos potencialmente controversos para que não fiquem sujeitas a punições.
Tudo, claro, para o bem do brasileiro, pois, como diz a ministra, “se não rompermos o cativeiro digital, chegará o dia em que as próprias mentiras nos matarão. E, seguindo o vaticínio poético drummondiano, então morreremos de medo”. É assim que, parafraseando as palavras ditas por Cármen Lúcia, podemos dizer que a censura e o controle do discurso, instrumentos espúrios, maquiam-se como “defesa da democracia”, seduzindo o olhar e cegando o raciocínio sobre o que está sendo feito. “A mentira amolece a humanidade porque planta o medo para colher a ditadura individual ou política”, afirma ela, sem se dar conta de que também a mentira da “censura em nome da democracia” planta o medo nos cidadãos, que já temem dizer o que em qualquer verdadeira democracia poderia ser dito sem temor algum.
As próximas eleições municipais, e a preparação para as eleições de 2026, serão supervisionadas pela ministra que um dia afirmou que o “cala boca já morreu”, depois endossou uma censura prévia chamando-a de “situação excepcionalíssima”, e agora redige resoluções que fortalecem o controle da corte sobre o discurso nas mídias sociais. A quem tinha esperanças de uma distensão com a saída de Alexandre de Moraes, o discurso da nova presidente do TSE indica que é melhor se acostumar com o célebre aviso deixado por Dante no Canto III de seu Inferno.
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