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Editorial

O fim da farsa

Lula mandará embaixadora à posse de Maduro
Lula e Nicolás Maduro em foto de 2023, durante visita do venezuelano a Brasília. (Foto: André Borges/EFE)

Diante da evidente fraude eleitoral que culminou com a declaração de vitória de Nicolás Maduro nas eleições venezuelanas de julho de 2024, Lula pretendeu cozinhar o assunto o quanto pôde: não reconheceu a “vitória” do companheiro socialista, como fizeram várias ditaduras mundo afora (e seu partido, o PT), mas também não afirmou categoricamente que a contagem dos votos havia sido fraudada, como fizeram várias democracias mundo afora, algumas delas reconhecendo o oposicionista Edmundo González como presidente eleito. Em vez disso, Lula e o chanceler de facto Celso Amorim flertaram com várias ideias esdrúxulas, incluindo a realização de novas eleições na Venezuela, até se fixarem em um pedido que sabiam ser irrealizável.

Para tentar iludir a opinião pública, o petista passou a insistir na apresentação dos boletins de urna (as chamadas “atas”) como condição para o reconhecimento do resultado. Mas havia um truque: tal apresentação, segundo Lula, só poderia ser feita pela autoridade eleitoral chavista. Era uma forma de contornar o fato de que a oposição já havia divulgado boletins suficientes para atestar a vitória de González, e de que o Centro Carter, observador internacional independente, havia confirmado a fraude. O pedido de Lula, evidentemente, foi ignorado por Maduro, dando início a uma pequena série de provocações que o observador mais atento sabia que deveria encarar com um certo ceticismo.

Se um governo não reconhece o resultado de uma eleição em outro país, não envia representante nenhum à pretensa posse do autoproclamado vencedor. Se o faz, é porque, no fim das contas, reconhece o resultado

Mas chegou a hora da verdade: em 10 de janeiro, o presidente eleito da Venezuela deverá assumir o cargo, e Maduro está preparando o seu teatro, como fizera em 2019 após “vencer”, em meados de 2018, uma eleição que já não teve o reconhecimento dos Estados Unidos, da União Europeia e do Brasil, então presidido por Michel Temer. E o governo brasileiro terá uma representante na cerimônia de “posse”: a embaixadora brasileira em Caracas, Glivânia Oliveira. Sua ida à Venezuela, no início de 2024, marcou o restabelecimento completo de relações entre os dois países, já que Jair Bolsonaro havia fechado a representação diplomática em 2020; Lula a reabriu em 2023, mas por um ano manteve lá um encarregado de negócios, e não um embaixador, lacuna que foi preenchida com o envio de Glivânia.

Não há como minimizar a decisão de Lula. Um embaixador está longe de ser um cargo qualquer; se parte da opinião pública está enxergando a escolha como um “rebaixamento” ou mesmo uma “crítica” a Maduro, é apenas por causa da enorme camaradagem entre o ditador bolivariano e o petista, que em outras circunstâncias já estaria com a viagem agendada para abraçar pessoalmente o amigo. O fato é que, se um governo não reconhece o resultado de uma eleição em outro país, não envia representante nenhum à pretensa posse do autoproclamado vencedor. Se o faz, é porque, no fim das contas, reconhece o resultado. E não se trata nem mesmo de um reconhecimento tácito, feito nas entrelinhas: trata-se de reconhecimento explícito. Gilvânia comparecerá ao evento em nome do governo brasileiro, e talvez até cumprimente Maduro enquanto ele estiver envergando a faixa presidencial; o que mais seria necessário para mostrar que Lula realmente considera o ditador como mandatário legítimo da Venezuela?

Assim termina a farsa de Lula e de seus colegas de esquerda no México e na Colômbia, dois países que também escolheram a estratégia do pedido pela publicação das atas, e que estarão representados no teatro do dia 10. O petista ganhou tempo, iludiu a parte da opinião pública que desejou ser iludida para não ter de reconhecer o erro cometido ao chamar Lula de “democrata” em 2021 e 2022, e no fim seguirá prestigiando o herói da “democracia relativa”, a vítima de “narrativas”, o responsável por manter algo que não é mais que um “regime desagradável”. O povo venezuelano, que elegeu González e teve sua voz sufocada pela ditadura chavista, sabe que não pode contar com Lula para absolutamente nada que envolva o fim de um regime usurpador. E a pequena troca de insultos se revelou um teatrinho ou, no máximo, uma briga entre amigos que já se entenderam novamente.

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