Dias Toffoli, ex-advogado do PT indicado por Lula para o STF, decidiu julgar o mensalão apesar dos indícios que aconselhavam seu afastamento

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As primeiras horas do julgamento dos réus do mensalão foram dedicadas, ontem, a um debate que, embora bastante relevante, ficou distante daquilo que a opinião pública esperava do Supremo Tribunal Federal. Em vez de se ater diretamente ao exame da culpabilidade dos 38 envolvidos na denunciada teia de delitos criminais que teriam cometido, a corte se dedicou à discussão de sua competência para julgar o caso.

Segundo o ministro revisor do processo, Ricardo Lewandowski, o processo deveria ser desdobrado em vários outros, a maioria dos quais baixada para julgamento em instância de primeiro grau. Sua tese baseou-se no fato de que ao STF cabe julgar apenas três dos réus, os únicos detentores de privilégio de foro – aqueles que ainda exercem mandato eletivo que lhes confere tal prerrogativa, o que não se aplica à maioria dos acusados.

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Prevaleceu o bom senso: tamanha é a conexão dos fatos tidos como delituosos e dos personagens que os praticaram que restou clara a necessidade de que todos fossem mantidos num único processo e sob julgamento pelo Supremo. Nove dos 11 ministros do STF assim se pronunciaram, incluindo o mais jovem de todos, Dias Toffoli, de quem não se esperava sequer estar participando desse momento histórico.

A expectativa era a de que sua ausência representasse um indiscutível selo da isenção que deve resguardar a qualidade e a respeitabilidade das decisões que vierem a ser tomadas pela corte, seja pela parcial ou total absolvição ou condenação dos réus. Entretanto, Toffoli não arguiu a própria suspeição, mantendo participação plena nos procedimentos.

Sua atitude não chega a causar, necessariamente, o espanto e o estranhamento que com certeza surgiriam em nações que melhor respeitam suas instituições. Já estamos, de certa forma, acostumados – mas nunca conformados – com a frequência com que agentes públicos brasileiros se consideram acima dos preceitos mínimos de respeito e moralidade que devem permear suas relações com a sociedade de que são servidores.

Este é o caso do ministro Dias Toffoli. Nomeado para o STF pelo ex-presidente Lula, era até pouco antes assessor direto do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, apontado no processo como o chefe da quadrilha que pôs em marcha o vergonhoso sistema de estipendiar parlamentares para que se mantivessem fiéis ao Executivo. Como meio para levantar recursos para tal fim, investigações de duas CPIs e de organismos policiais detectaram o cometimento de crimes como desvio de dinheiro público, lavagem de dinheiro, caixa 2 e tantos outros. Ademais, a pesar contra a participação de Toffoli, também há o fato de viver maritalmente com uma advogada que atuou em favor de pelo menos três dos réus.

Evidencia-se, portanto, a impropriedade de sua presença entre os julgadores. Suas antigas ligações colocam-no sob suspeita e permitem questionar se Lula – que considera o mensalão como "farsa" – não o teria colocado no STF com a missão específica de colaborar com o partido neste julgamento tão crucial para o futuro político da República. Em abril, ao se declarar sem condições de julgar a constitucionalidade das cotas raciais em universidades públicas por ter elaborado o parecer favorável a elas quando advogado-geral da União, o ministro atraiu para si uma aura de imparcialidade. Pura ilusão: deixar de julgar as cotas era fácil porque se sabia que a tese defendida por Toffoli era majoritária entre os demais membros do STF. Era no caso do mensalão que sua presença se tornaria necessária.

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Entretanto, salvo se tivesse sido interposta uma arguição de exceção que fosse aceita pelo colegiado do Supremo, ninguém poderia obrigá-lo a se declarar impedido. Em uma omissão inexplicável, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não questionou formalmente a presença de Toffoli no julgamento. À sociedade brasileira resta, agora, acompanhar seu comportamento ao longo das sessões.

Tal vigilância será representativa do sentimento de respeito que ainda precisamos devotar às nossas instituições – de modo especial àquela cuja missão é de nos dar a mais importante demonstração de que a Justiça é e continuará sendo o pilar em que se assentam as esperanças de consolidação da nossa ainda incipiente democracia. Já que Dias Toffoli participará do julgamento, sua decisão e os argumentos que invocará para defendê-la revelarão se o Supremo tem entre seus membros um verdadeiro magistrado ou um militante partidário infiltrado na mais alta corte do país.