Enquanto líderes petistas, tempos atrás, resolveram banalizar o conceito de presos políticos aplicando-os aos mensaleiros, condenados após devido processo legal, por um Poder Judiciário independente, com amplo direito à defesa, em um país nada longe daqui há presos políticos reais: trata-se da Venezuela chavista, onde não existe separação de poderes e onde opositores do governo acabam na cadeia simplesmente por não se curvar ao caudilho de plantão. Foi este o caso de Leopoldo López e Antonio Ledezma, presos respectivamente em fevereiro de 2014 e fevereiro de 2015. Na noite de quinta-feira, dia 10, um ano e meio depois de sua prisão, López recebeu sua sentença: 13 anos e nove meses de prisão por promover a perturbação da ordem pública, danos à propriedade, incêndio e associação criminosa, em referência aos protestos de rua do início do ano passado contra Nicolás Maduro, que terminaram com dezenas de mortos, contagem para a qual a participação de milícias paramilitares bolivarianas foi decisiva.
Julgamentos políticos como o de López oferecem uma conveniente distração do caos econômico vivido pela Venezuela
A reação internacional à condenação de López foi imediata, e inclui entidades de direitos humanos e governos estrangeiros. A diretora para as Américas da Anistia Internacional, Erika Guevara-Rosas, afirmou que “as acusações nunca foram adequadamente embasadas e a sentença de prisão tem clara motivação política. O único delito de López é ser líder de um partido opositor (...) ele é um prisioneiro de consciência”. Para José Miguel Vivanco, que tem cargo semelhante na Human Rights Watch (HRW), “o julgamento esteve marcado por gravíssimas violações do processo devido, e não se trouxe provas que vinculem os acusados a nenhum delito (...) este caso é uma farsa”.
Em comunicado emitido logo após a divulgação da sentença, a União Europeia afirmava esperar “que vias disponíveis de ratificação permitam revisar estas severas sentenças de uma maneira justa e transparente”, e ainda fez uma denúncia: embora diplomatas e observadores tivessem autorização da Justiça para acompanhar o julgamento, eles foram impedidos de fazê-lo pelas forças de segurança bolivarianas – a HRW fez a mesma reclamação em sua nota. O comunicado do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, foi severo: “A decisão do tribunal preocupa pela natureza política do processo judicial e do veredito, e pelo uso da Justiça venezuelana para reprimir e castigar os críticos do governo”. Kerry não hesitou em usar a expressão “presos políticos” ao pedir que o governo venezuelano respeite seus direitos e lhes garanta “julgamento justo e transparente”. Em setembro do ano passado, o Grupo de Trabalho sobre Prisões Arbitrárias da Organização das Nações Unidas já tinha concluído que a prisão de López havia sido um ato autoritário.
Chavistas comemoraram a condenação e, no Twitter, prometiam o mesmo destino a todos os “fascistas”. Julgamentos políticos como o de López oferecem uma conveniente distração do caos econômico vivido pela Venezuela, afligida pelo desabastecimento e pela inflação totalmente descontrolada. Além de alimentos e itens de higiene, também os remédios estão em falta, denuncia a Federação Farmacêutica Venezuelana. O mesmo ocorre com peças de reposição de aparelhos hospitalares, criando as condições para uma enorme crise na área de saúde. Os desentendimentos com a Colômbia, com fechamento de partes da fronteira entre os dois países, também servem como cortina de fumaça e combinam perfeitamente com a tradicional estratégia de buscar inimigos externos para conseguir coesão interna.
O grande silêncio em relação à condenação de Leopoldo López vem da Unasul, do Mercosul e do Itamaraty. A desculpa de “não interferência em assuntos internos”, constantemente evocada nessas situações, não se sustenta pelo fato de haver uma cláusula que exige dos membros do Mercosul o compromisso com a democracia, tornando-os coguardiões das liberdades nos países vizinhos. Foi justamente essa cláusula que Brasil, Argentina e Uruguai invocaram para a suspensão do Paraguai, em 2012; a Venezuela já a desrespeitou de formas muito mais flagrantes que os paraguaios, mas segue impune. A explicação? Mera camaradagem ideológica.
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