O PL 2.630/2020, chamado “das Fake News”, teve sua tramitação interrompida no Congresso Nacional, em parte devido à mobilização em defesa da liberdade de expressão, já que o projeto trazia uma série de dispositivos que poderiam dar margem à censura nas mídias sociais, e dos quais o governo aparentemente ainda não desistiu, como a criação de uma “entidade autônoma de supervisão”. Mas um trecho daquele projeto, o que previa a remuneração às empresas jornalísticas por parte das plataformas digitais, encontrou outro meio de seguir adiante: foi enxertado no PL 2.370/2019, de autoria da deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ), com relatoria de Elmar Nascimento (União-BA) e que originalmente previa apenas uma atualização da Lei de Direitos Autorais. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quer ver o texto votado o quanto antes no plenário da casa, apesar de sua versão mais recente ter sido apresentada apenas alguns poucos dias atrás.
O PL 2.370 não entra em nenhuma questão relativa à proteção da liberdade de expressão, mas nem por isso essa tramitação apressada ocorre sem motivos para muita preocupação. O debate público sobre as medidas previstas no PL 2.370 foi praticamente inexistente (e o pouco que houve ainda foi distorcido graças à intervenção estatal), e os efeitos das soluções previstas no texto legal ainda não foram devidamente estabelecidos, tanto no caso da remuneração por conteúdos jornalísticos quanto no caso das novas previsões a respeito do pagamento de direitos autorais a artistas. Não existe, por exemplo, nenhuma estimativa a respeito do impacto de eventual obrigatoriedade de pagamento a artistas pelo compartilhamento de conteúdos audiovisuais em mídias sociais caso a nova legislação seja aprovada.
Correr com a tramitação do PL 2.370 pode servir aos interesses de determinadas categorias contempladas, mas impede uma discussão mais profunda a respeito de um modelo de direitos autorais que seja justo para quem produz conteúdo e economicamente viável
Este é apenas um dos motivos pelos quais não faz o menor sentido afirmar que o PL 2.370 estaria maduro para votação porque se trata de assunto que já vem sendo discutido há muito tempo – o que só poderia ser verdade caso esse debate estivesse ocorrendo a portas fechadas, longe do olhar da sociedade. Mesmo a controvérsia que efetivamente chegou à opinião pública, referente à remuneração das empresas jornalísticas, por estar prevista no PL das Fake News, é recentíssima e o debate se deu de forma desigual, suprimindo a opinião daquelas que teriam de arcar com a maior parte das despesas criadas por esse novo marco regulatório: as empresas de mídias sociais.
Como não recordar a absurda tentativa de envolver o braço estatal para impedir que empresas como Meta e Google manifestassem sua opinião sobre o PL das Fake News, enquanto todos os demais interessados puderam fazê-lo livremente? Ministério da Justiça, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal intervieram a ponto de forçar as big techs a remover conteúdos nos quais as empresas exibiam seus argumentos a respeito da legislação discutida no Congresso Nacional. Sintomaticamente, essas empresas não têm se manifestado a respeito do PL 2.370 de forma tão enfática quanto no caso do PL das Fake News, e não se pode descartar a hipótese do “gato escaldado”, em que o silêncio se justifica pelo medo de novas investidas do Executivo ou do Judiciário.
Correr com a tramitação do PL 2.370 pode servir aos interesses de determinadas categorias contempladas – como os artistas, apadrinhados pela primeira-dama Janja da Silva –, mas impede uma discussão mais profunda a respeito de um modelo de direitos autorais que seja, ao mesmo tempo, justo para quem produz conteúdo e economicamente viável. É preciso, por exemplo, analisar prós e contras de legislações semelhantes implantadas no exterior (caso da União Europeia, do Canadá e da Austrália) e estimar razoavelmente os custos das novas obrigações eventualmente aprovadas. Sem toda a informação necessária, não há como decidir algo que aparentemente diz respeito a apenas alguns setores, mas cujas consequências econômicas inevitavelmente acabarão repassadas ao consumidor final dos serviços digitais, o cidadão brasileiro.
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