Lei sobre fake news e responsabilização por conteúdos publicados em mídias sociais e aplicativos de mensagens pode ter tramitação apressada na Câmara.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo
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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que deseja ver aprovado na Câmara ainda este mês o projeto de lei das fake news, oficialmente conhecido como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto já foi aprovado no Senado ainda em 2020 e prevê regras para remoção de conteúdos, responsabilização de plataformas de mídia social e envio de mensagens, e combate à difusão de mensagens falsas e à utilização de ferramentas como robôs no impulsionamento de conteúdos – tudo isso com um arsenal renovado de punições para os eventuais infratores. Lira quer pressa – mas os motivos que ele alega para promover um novo “tratoraço”, a exemplo do que fizera com a Lei das Estatais, ano passado, são exatamente os que justificariam toda a cautela possível na tramitação do projeto.

Lira pretende repetir o que ocorreu no Senado, onde o PL 2.630/2020 não passou por nenhuma comissão, indo diretamente ao plenário. “A intenção da presidência [da Câmara] é trazer para a pauta entre os dias 26 e 27. Daqui para lá o deputado Orlando [Silva, relator do PL] está à disposição – como coloquei para todos os líderes – das lideranças, dos deputados”, afirmou Lira. Em outras palavras, o texto final que os deputados votarão é uma incógnita completa, pois ainda está sendo construído e pode mudar de acordo com as negociações feitas entre o relator e as lideranças partidárias. As versões oficiais do PL 2.630 publicadas até o momento pela Câmara, portanto, podem não valer absolutamente nada, com a possibilidade de troca de última hora por um novo substitutivo.

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Uma tramitação acelerada, em vez de evitar que estejamos “sempre na mão ou de um abuso ou de uma injustiça”, eleva incomensuravelmente o risco de ter o efeito oposto: estabelecer previsão legal para mais abusos e injustiças

Ora, esse procedimento já seria condenável ainda que estivéssemos diante de matéria simples, de repercussão limitada no dia a dia do cidadão. Mas o PL 2.630 nada tem de simples nem de irrelevante, pelo contrário: está em jogo o futuro da liberdade de expressão no Brasil, e isso em nada combina com regimes de urgência ou votações diretamente em plenário de textos que os parlamentares terão poucas horas para analisar. Não faz o menor sentido apressar a tramitação justamente daquilo que exige mais atenção e reflexão; isso seria inverter a lógica legislativa. O caminho correto para o PL 2.630 seria o do trâmite pelas comissões da Câmara, especialmente a de Constituição e Justiça, mas também a de Comunicação ou a de Ciência, Tecnologia e Inovação. Assim, a sociedade poderia acompanhar com atenção os debates e votações, a apresentação de emendas e substitutivos, e participar da construção de um texto que realmente cumprisse o objetivo de fazer da internet um ambiente mais saudável com respeito pleno à liberdade de expressão.

Frear o PL 2.630 é especialmente importante porque a liberdade de expressão tem sido repetidamente violada no Brasil, em um “apagão” que começou nos tribunais superiores e se espalhou por outras instâncias de poder, pela opinião pública e pela sociedade civil organizada. “Se não legislarmos, se não coibirmos os excessos, não impusermos os limites legislativos mínimos que sejam, nós vamos estar sempre na mão ou de um abuso ou de uma injustiça”, argumenta Lira. Mas todos os que têm consciência da importância de promover responsabilidade na internet e defender a democracia e a liberdade de expressão haverão de concordar que uma tramitação acelerada, com pouco tempo para reflexão a respeito do texto que efetivamente será levado a votação, em vez de evitar que estejamos “sempre na mão ou de um abuso ou de uma injustiça”, eleva incomensuravelmente o risco de ter o efeito oposto: estabelecer previsão legal para mais abusos e injustiças.

Se a Câmara errar a mão, causará um enorme dano ao país, cristalizando na lei o apagão conceitual que chama de fake news qualquer afirmação que poderosos ou grupos de pressão considerem desagradável. Expressões legítimas como críticas e análises serão criminalizadas e a censura se tornará tão frequente que logo descambará para a autocensura, afastando ainda mais o Brasil de um Estado Democrático de Direito e aproximando-o ainda mais das autocracias censoras. Nenhum autêntico defensor da democracia pretende algo assim, mas a chance de errar a mão é diretamente proporcional à rapidez com que o projeto tramita.

Em mais uma dessas ironias da política brasileira, a dita Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet avança de forma opaca, irresponsável e potencialmente liberticida. Se o projeto quiser fazer jus ao nome, é preciso que todos os brasileiros saibam exatamente os termos do que está para ser votado na Câmara; que a tramitação ocorra como se faz com qualquer projeto de lei dessas dimensões, com tempo hábil para discussão criteriosa; e que esse cuidado torne possível a eliminação de qualquer dispositivo que contribua para a contínua erosão da liberdade de expressão no Brasil. Esta é a missão das lideranças partidárias nos próximos dias: para que tenhamos a melhor lei possível sobre fake news, é preciso desacelerar para refletir.

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