Os argentinos foram às urnas neste domingo em eleições primárias, e o resultado que emergiu desta enorme “pesquisa eleitoral oficial” não foram nada animadores. O país corre sério risco de voltar a cair nas mãos da esquerda – e não de qualquer esquerda, mas da própria responsável pelas políticas econômicas que colocaram a Argentina em uma situação muito pior que a do Brasil de Dilma Rousseff. A chapa que tem Cristina Kirchner como vice-presidente conseguiu 47% dos votos, contra 32% do atual presidente, Mauricio Macri.
As primárias argentinas, instituídas em 2009, funcionam em um esquema muito peculiar. Enquanto nos Estados Unidos apenas os filiados a determinado partido votam, em datas diferentes, entre vários postulantes da mesma legenda para escolher qual deles disputará a eleição, na Argentina todos os eleitores podem escolher qualquer candidato. As alianças ou partidos podem levar mais de uma chapa às primárias e, se conseguirem mais de 1,5% dos votos válidos, estarão habilitados a disputar a eleição, com a chapa mais votada entre as que estavam na disputa. No entanto, em 2019 nenhum partido ou coalizão apresentou mais de uma chapa, o que desvirtuou a intenção original por trás da criação do sistema, que era a de deixar a escolha nas mãos do eleitor, e não de caciques partidários. Assim, neste domingo não houve disputas internas; tratava-se, apenas, de superar a barreira de 1,5% de votos e testar a popularidade nas urnas.
O fato é que Macri não conseguiu entregar o que prometeu em termos econômicos. Ele foi eleito com plataforma liberal, mas, uma vez na Casa Rosada, não colocou esse ideário em prática e, quando o fez, adotou medidas a conta-gotas quando a situação caótica do país exigia mais energia e velocidade. Foram várias concessões ao funcionalismo público, sem amplos cortes das despesas do Estado, sem privatizações de vulto, culminando com um tabelamento de preços de gêneros de primeira necessidade, em abril deste ano. Sem um ajuste fiscal, a consequência óbvia era a inflação, que em 2018 foi de 47,6%, a maior desde 1991 – isso, claro, se aceitarmos as estatísticas oficiais da época de Cristina Kirchner, tão pouco confiáveis que a revista The Economist parou de publicá-las em 2012, mesmo ano em que a divulgação de dados independentes da inflação argentina foi criminalizada. O Produto Interno Bruto do país recuou 2,5% no ano passado e 2,3% em 2016, crescendo apenas em 2017. No primeiro trimestre deste ano, o desemprego voltou a superar os 10%, o que não ocorria desde 2006. E, por fim, só em 2019 o peso argentino caiu 50% em relação ao dólar – incluindo a enorme queda desta segunda-feira, já como reação ao resultado das primárias.
Mauricio Macri não entregou o que prometeu em termos econômicos. Eleito como liberal, não colocou em prática esse ideário
Se a insatisfação com Macri é compreensível, por outro lado é impossível de entender por que os argentinos estão escolhendo, como possível solução, a autora da crise que Macri herdou e não conseguiu debelar, ainda mais quando ela tem contra si diversas acusações e processos judiciais por corrupção. E nem se pode alegar que o cabeça de chapa, Alberto Fernández, seja exatamente uma “guinada” ou “concessão” ao centro, já que ele foi chefe de gabinete tanto de Cristina quanto de seu marido e antecessor, o falecido Nestor Kirchner. Até chegou a haver um rompimento entre Fernández e a ex-presidente, mas as divergências foram superadas e quem parece dar as cartas é Cristina, a ponto de o candidato a presidente ter agradecido a sua vice pela “confiança” no último comício antes das primárias, deixando claro quem escolheu quem.
Em 2015, Macri também perdeu para Daniel Scioli, o candidato do kirchnerismo, nas primárias (por 12 pontos porcentuais) e no primeiro turno (por três pontos). Agora, além de a diferença ser um pouco maior, o desempenho da chapa peronista daria a Fernández e Cristina a vitória no primeiro turno – na Argentina, basta conseguir 45% dos votos válidos mais um, ou então obter entre 40% e 45%, abrindo dez pontos de diferença para o segundo colocado. A perspectiva da volta do esquerdismo ao poder na Argentina é um alerta poderoso: ele precisa acordar forças adormecidas que não se esqueceram do caos provocado pelos Kirchner e sabem o que viria pela frente, mas também tem de ser bem compreendido no Brasil.
Não se trata apenas de analisar o impacto de uma eventual volta kirchnerista à Casa Rosada – pensemos, por exemplo, no protecionismo que bloquearia qualquer novo grande acordo comercial do Mercosul, como o que foi assinado recentemente com a União Europeia. O presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores precisam ter muito clara a importância da recuperação econômica se não quiserem a volta do “efeito Orloff”, a piada inspirada em um anúncio publicitário segundo a qual o que acontece hoje na Argentina se repetirá amanhã no Brasil.
É verdade que vários de nossos indicadores econômicos são bem melhores que os dos vizinhos, e que as reformas liberais estão sendo propostas e aprovadas por aqui. Mas, por outro lado, o IBC-Br, visto como “prévia informal” do PIB, caiu 0,13% no segundo trimestre, segundo dados divulgados nesta segunda-feira pelo Banco Central, deixando o país perto da recessão. Se o desemprego continuar nos níveis atuais, se o PIB continuar patinando, em 2022 a esquerda voltará disposta a cometer o mesmo estelionato eleitoral de 2014, desta vez jogando toda a culpa da estagnação no atual governo e contando que os brasileiros, assim como os argentinos, terão se esquecido do fato de que a crise e a recessão foram obra da “nova matriz econômica” do petismo.
Bolsonaro foi eleito graças a uma confluência de pautas que eram resposta às diversas crises em que o PT lançou o país – a econômica, a moral, a da segurança pública. E, por mais que muitos dos eleitores do presidente não tivessem os temas econômicos como a prioridade número um, também eles querem emprego e condições de prosperar e garantir o sustento de sua família. Que o alerta das primárias argentinas ajude o governo brasileiro a seguir em frente com as reformas, evitando as indecisões, os populismos e as omissões que podem custar a reeleição de Macri.
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