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O candidato à presidência da Argentina Javier Milei venceu as primárias das eleições de 22 de outubro.
O candidato à presidência da Argentina Javier Milei venceu as primárias das eleições de 22 de outubro.| Foto: EFE/Juan Ignacio Roncoroni

Os argentinos foram às urnas neste domingo, no primeiro estágio da eleição marcada para o próximo mês de outubro: as Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso), uma prévia que define quem poderá se candidatar aos cargos que estarão em disputa daqui a dois meses – inclusive a presidência da República. Ao contrário do que ocorre em países como os Estados Unidos, em que as primárias são feitas separadamente por partido e envolvem apenas os filiados, nas Paso argentinas o eleitor pode votar em qualquer pré-candidato de sua escolha, e isso faz dessas prévias um termômetro da preferência atual do eleitorado. O resultado não foi nada animador para o peronismo de esquerda que governa hoje a Argentina e terminou o domingo como a terceira força política do país.

O vitorioso foi o economista libertário Javier Milei, que concorreu sozinho como pré-candidato à presidência pelo grupo A Liberdade Avança e teve 30% dos votos. Os candidatos da frente de centro-direita Juntos Pela Mudança somaram 28,3%, sendo 17% da ex-ministra Patricia Bullrich (que ganha o direito de ser a candidata) e 11,3% do prefeito de Buenos Aires, Horácio Rodríguez Larreta. Já o governismo até conseguiu o segundo candidato mais votado: o ministro Sergio Massa, da Economia, com 21,4% dos votos; no entanto, os 5,9% do advogado Juan Grabois deixaram o kirchnerismo atrás de Milei e da centro-direita. Por fim, a disputa pela Casa Rosada ainda terá o peronista não kirchnerista Juan Schiaretti, governador da província de Córdoba, e a esquerdista Myriam Bregman, pois ambos superaram o limite mínimo de 1,5% dos votos.

Um país que ruma para o desastre em alta velocidade não evita a tragédia pisando suavemente no freio. A solução não está no libertarianismo de Milei, mas também não está em ajustes tímidos como os de Macri, e muito menos na manutenção do kirchnerismo

O peronismo kirchnerista já vinha sofrendo uma série de derrotas nas eleições locais dos últimos meses, perdendo o governo de províncias que o peronismo dominava havia décadas. Mas o resultado, tanto dessas votações locais quanto das Paso, não chega a surpreender. A Argentina está afundada em inflação descontrolada – 115% no acumulado dos últimos 12 meses – e vive a possibilidade de nova recessão. Como era de se esperar, as soluções habituais da esquerda, como controle estatal de preços, fracassaram. A crise é tamanha que fez o presidente Alberto Fernández abrir mão da possibilidade de tentar a reeleição; tampouco a vice Cristina Kirchner, que já presidiu o país anos atrás, se dispôs a entrar na disputa.

Estariam os argentinos finalmente acordando para as consequências da escolha que fizeram em 2019? Naquela ocasião, a disputa se dava entre a esquerda e Mauricio Macri, o então presidente que se elegeu com plataforma liberal, mas, no fim do mandato, terminou recorrendo ao mesmo arsenal de seus adversários, como congelamento de preços, para driblar a crise. Entre os populistas autênticos e o populista de ocasião, os argentinos elegeram os primeiros, mesmo que a catástrofe econômica capitaneada por Cristina Kirchner durante seus dois mandatos ainda estivesse fresca entre os argentinos, mostrando como o populismo constrói nas sociedades uma espécie de prisão mental da qual é muito difícil escapar.

A Argentina é um caso raro de país que já esteve entre os mais ricos do mundo e afundou não por causas externas, como uma invasão estrangeira ou catástrofes naturais, mas pelas próprias escolhas feitas ao longo das últimas décadas: populismo estatizante, gasto público descontrolado, Estado e funcionalismo inchados. Será impossível reverter essa trajetória e voltar ao caminho da prosperidade enquanto os argentinos não atacarem essas mazelas. Macri falhou porque quis fazer a coisa certa na intensidade errada, optando pelo gradualismo quando a Argentina precisava de um choque liberal; rejeitou privatizações, fez concessões ao funcionalismo, não combateu o déficit público. Como os resultados não vieram, os eleitores negaram a Macri uma segunda chance, inexplicavelmente dando ao kirchnerismo uma nova oportunidade sem que ele prometesse nada diferente do que já havia feito para destruir a Argentina.

Um país que ruma para o desastre em alta velocidade não evita a tragédia pisando suavemente no freio; é preciso agir com mais firmeza. A solução não está no libertarianismo de Milei – que tem propostas bastante radicais (e, talvez por isso, impraticáveis), como extinguir o Banco Central –, mas também não está em ajustes tímidos como os de Macri, e muito menos na perpetuação do kirchnerismo no poder. Se os argentinos perceberam esta realidade ou se escolheram Milei apenas para demonstrar sua insatisfação com as forças políticas mais tradicionais do país é algo ainda a descobrir.

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