Prestes a completar um ano na Casa Rosada, Javier Milei está começando a colher os frutos de sua “motosserra” na forma de indicadores econômicos que até pouco tempo atrás pareciam impensáveis para a realidade da Argentina. A inflação de outubro ficou em 2,7%, o resultado mais baixo desde novembro de 2021 – a título de comparação, em dezembro de 2023, mês da posse de Milei, o índice oficial foi de 25,5%. Também em outubro, o país conseguiu o décimo mês consecutivo de superávit primário – e, mais que isso, o resultado mais recente indica que a Argentina passou a ter superávit nominal em 2024, ou seja, mesmo depois de pagar os juros de sua dívida o resultado fiscal continuou positivo, o que é inédito na história recente do país.
Tudo isso tem sido conseguido sem os terraplanismos econômicos de seus antecessores, que insistiam em controlar a inflação por meio de congelamentos de preços e outros tipos de intervenção pesada sobre a economia. Mesmo tendo patinado para conseguir apoio parlamentar no começo de seu mandato, o presidente libertário soube negociar e implantou um programa radical de corte de gastos públicos. No hay plata – “não há dinheiro” – se tornou a resposta padrão para bancar a redução de despesas do inchadíssimo Estado argentino (bem mais hipertrofiado que o brasileiro). O corte, além de profundo, foi célere: a experiência liberal anterior, de Maurício Macri, fracassou em grande parte porque o presidente que governou entre 2015 e 2019 preferiu ajustes graduais, ineficientes para o grau da crise argentina. Javier Milei optou pelo choque intenso, aproveitando a popularidade que todo presidente eleito tem no início de mandato.
A história argentina das últimas décadas demonstra o tamanho do buraco em que se enfia um país que não controla o gasto público
O ajuste tem sido bastante doloroso para a sociedade argentina, que viu o número de pobres subir: segundo o Indec, órgão oficial de estatísticas do país, 52,9% das pessoas estavam abaixo da linha de pobreza no primeiro semestre deste ano, contra 41,7% na segunda metade do ano passado. O PIB argentino, que já vinha de queda de 1,6% em 2023, deve cair ainda mais neste ano, com previsão de -3,5% – o que, em parte, também demonstra o tamanho da despesa pública como motor da economia argentina e como o consumo das famílias era turbinado pelos subsídios agora cortados. Nessas circunstâncias, qualquer outro presidente já teria sido escorraçado da Casa Rosada pela população, mas Javier Milei continua tendo o voto de confiança dos argentinos, de quem ele não escondeu que a situação ainda pioraria antes de melhorar. A questão é quanto tempo ainda vai levar para que alguns bons indicadores passem a ter consequências práticas na vida da população, e se ela está disposta a seguir prestigiando Milei até que a vida comece a melhorar.
Para isso, 2025 será crucial. A expectativa do Banco Mundial é de crescimento de 5% no PIB – um número robusto, mas construído sobre uma base bastante deprimida. A inflação, ainda que hoje seja bem menor que nos anos do peronismo esquerdista gastador, precisará seguir caindo. E a confiança do investidor estrangeiro terá de ser finalmente reconquistada depois de a Argentina ter conquistado fama de caloteira. Em novembro, a agência Fitch elevou a nota da Argentina, deixando-a a um passo de sair da categoria de “alto risco” para o “grau especulativo”. A política cambial do governo está levando a uma valorização do peso, que pode ajudar o país a recuperar suas reservas cambiais – com o efeito colateral de encarecer a Argentina para o turista estrangeiro, fenômeno demonstrado pelos relatos de torcedores de Botafogo e Atlético Mineiro que estiveram recentemente em Buenos Aires para a final da Copa Libertadores da América.
A Argentina é uma lição para o Brasil em muitos aspectos. A história argentina das últimas décadas demonstra o tamanho do buraco em que se enfia um país que não controla o gasto público; os últimos anos ensinam que, quanto mais profunda é a crise, mais radical e doloroso é o tratamento para sair dela; e os meses recentes comprovam que, enquanto na Argentina surgiu um líder com a disposição para fazer o que tem de ser feito, no governo brasileiro parece não haver ninguém com a coragem de promover um ajuste muito mais brando que o argentino.