Deputados e senadores voltam ao trabalho nesta semana com uma série de tarefas importantíssimas para o futuro do país e a continuação da recuperação econômica. Ao contrário de 2019, quando a Previdência monopolizou a pauta de reformas, neste ano há várias propostas tramitando nas duas casas do Legislativo federal e que darão continuidade ao esforço de ajuste fiscal iniciado quatro anos atrás, quando Michel Temer propôs a PEC do Teto de Gastos, e intensificado no ano passado com as mudanças nas regras de aposentadoria. O presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), divulgou o que considera serem as dez pautas prioritárias para o Legislativo em 2020 – segundo sua assessoria, não se trata de documento oficial, mas de orientação para a cobertura da imprensa –, uma lista razoavelmente alinhada com as necessidades do país, embora tenha deixado de lado itens importantes e incluído uma proposta bastante problemática.
O primeiro item da lista, e o mais mencionado nos discursos de abertura do ano legislativo, foi a reforma tributária. A simplificação dos impostos é uma urgência e quase um consenso, ainda que haja divergências menores sobre como se deve dar esse processo. Um dos principais empecilhos à aprovação mais célere da reforma parece ter sido superado nos últimos dias, quando o cronograma de tramitação foi acertado entre Executivo e Legislativo. Segundo o líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), deputados e senadores trabalharão na unificação das duas propostas que já estão no Congresso, uma em cada casa; só depois que houver um texto comum a equipe econômica enviará suas sugestões, que poderão ser incluídas em relatório quando o projeto estiver na Câmara dos Deputados. Uma vez definido, que esse roteiro seja respeitado, pois muito tempo já foi perdido com a tramitação simultânea de duas PECs e o impasse sobre como o governo enviaria suas propostas.
O Congresso não pode perder tempo com “prioridades” inventadas, quando há tantas urgências reais a tratar
Os dois itens seguintes – as PECs do Plano Mais Brasil e a reforma administrativa – são os mais cruciais para o ajuste fiscal, atacando o inchaço estatal e os gastos com a folha de pagamento, além de estabelecer ferramentas para que a União, estados e municípios com problemas possam adequar suas despesas à arrecadação em tempos de crise. Além disso, a lista de Alcolumbre também contempla medidas que facilitarão o investimento privado e a liberdade econômica, como o marco do saneamento básico, já aprovado na Câmara, e novas regras para que as parcerias público-privadas fiquem mais atraentes para o investidor.
Felizmente, o presidente do Senado também incluiu entre as prioridades a aprovação da prisão após condenação em segunda instância. Aqui, as estratégias são muitas, e dependem de coordenação entre Câmara e Senado. O texto de Alcolumbre menciona explicitamente dois projetos. A PEC 199/2019 está na Câmara e transforma os recursos aos tribunais superiores em ações independentes, o que na prática muda o momento do trânsito em julgado de uma ação penal, colocando-o na segunda instância. Já o PLS 166/2018, no Senado, altera o Código de Processo Penal para permitir a prisão após condenação por colegiado. O texto divulgado pelo Senado dá a entender que apenas uma das propostas deve prosperar, o que não deixa de ser um risco. A presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), afirma que ambas as propostas deveriam caminhar lado a lado, e tem razão: para garantir o máximo de segurança jurídica, é preciso mudar tanto a Constituição quanto o Código de Processo Penal, desde que as duas propostas sejam coerentes entre si. E não se pode esquecer da PEC 5/2019, também no Senado e que determina o cumprimento da condenação proferida por órgão colegiado, independentemente de haver recursos – uma formulação que não ataca cláusulas pétreas nem altera o conceito de trânsito em julgado.
A lista começa a mostrar suas falhas quando trata das privatizações, muito necessárias, mas que enfrentam considerável resistência dentro do Legislativo. Alcolumbre menciona nominalmente a Eletrobrás, que depende de um projeto de lei específico para ser vendida, e antecipa que “a proposta do governo para privatização da Eletrobrás não será aprovada no Senado, no modelo como foi proposto”. O motivo alegado é o valor que seria pedido pela empresa, mas a realidade é que a privatização de uma “joia da coroa” vai tirar de muitos políticos o poder de nomear apadrinhados para cargos de diretoria e gerência na estatal. Não à toa a maior frente parlamentar do Congresso tem como objetivo a “defesa” de Furnas, a maior subsidiária da Eletrobrás.
Mas o grande “estranho no ninho” é a proposta que pretende limitar o poder do presidente da República de escolher ministros do Supremo Tribunal Federal. O Congresso ressuscitou uma PEC de 2015 que amarraria as mãos do presidente, obrigando-o a escolher apenas dentro de uma lista tríplice com indicações do próprio STF, da Procuradoria-Geral da República e da OAB, segundo o relatório mais recente, do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). A reação dos aliados do governo, que viram no ressurgimento da proposta uma tentativa de barrar a eventual nomeação do ministro da Justiça, Sergio Moro, forçou uma concessão segundo a qual a nova regra só valeria a partir de 2023. Mesmo assim, o texto continua a ser absurdo, pois, como já afirmamos, tira uma prerrogativa que é do presidente da República, eleito pelo povo, e que se tornaria mero carimbador das escolhas de terceiros sem nenhum mandato popular. Se o STF atual é motivo de críticas, elas não se devem ao modelo de escolha dos seus membros, e sim ao perfil de quem nomeia, de quem é nomeado, e da omissão do Senado que, mesmo podendo barrar um nome após sabatina, trata esses eventos como mera formalidade.
Não faltariam temas para Alcolumbre incluir na sua lista, em vez de uma mudança nada prioritária para o Brasil. Não receberam citação, por exemplo, a PEC Paralela da Previdência, já aprovada no Senado e parada na Câmara; a aprovação de medidas que o Brasil terá de adotar para ingressar na OCDE; a continuação da modernização da legislação trabalhista; a ampliação da liberdade econômica; ou o Plano Mansueto, de ajuda a estados em situação fiscal precária. Como consolo, a senadora Simone Tebet afirmou que não deve pautar a PEC sobre nomeações ao Supremo antes das reformas econômicas. Em um ano legislativo mais curto devido às eleições municipais, o Congresso não pode perder tempo com “prioridades” inventadas, quando há tantas urgências reais a tratar.
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