Em novembro de 2019, o governo federal enviou à Câmara dos Deputados o projeto de lei que permitiria a privatização da Eletrobrás, mas o então presidente da casa, Rodrigo Maia, não moveu um dedo para que o projeto tramitasse. Acabou contando, é verdade, com a ajuda do presidente Jair Bolsonaro, que não saiu publicamente em defesa do texto – a participação do governo ficou restrita ao empenho da Secretaria de Desestatização e às acusações do ministro da Economia, Paulo Guedes, para quem essa seria uma contrapartida de Maia à esquerda, pelo apoio recebido na eleição para o comando da Câmara, em fevereiro de 2019. Esquecido em uma gaveta do Congresso, o projeto parecia ter o mesmo destino de texto anterior, com o mesmo objetivo, enviado pelo governo Michel Temer.
No fim de janeiro deste ano, mais um episódio reduziu as esperanças na privatização: o então presidente da empresa, Wilson Ferreira Junior, renunciou ao cargo. Apesar de alegar motivos pessoais para a saída, ele havia deixado claro a interlocutores, e depois afirmou em entrevista coletiva, que estava frustrado com a paralisia total nas negociações para realizar a privatização. Pessoas próximas a Ferreira Junior chegaram a afirmar que a gota d’água para a decisão do executivo tinha sido uma entrevista do favorito para presidir o Senado em 2021 e 2022, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O senador se mostrou crítico ao projeto, que prevê a emissão de novas ações ordinárias que reduziriam para menos de 50% a participação da União na empresa. Pacheco acabou vencendo a disputa.
Seja por convicção privatizante, seja como mera medida de “gerenciamento de crise” após o caso da Petrobras, o fato é que algo foi feito. O processo de privatização da Eletrobras está disparado
No biênio anterior, um presidente da Câmara que simplesmente engavetou o projeto; no biênio atual, um presidente do Senado que já fizera críticas à privatização: que futuro poderia ter a venda de uma das “joias da coroa” entre as estatais? O Congresso terá, agora, de dar uma resposta com prazo definido, pois Bolsonaro entregou pessoalmente a Pacheco e a Arthur Lira (PP-AL), o novo presidente da Câmara, a medida provisória que prevê a privatização da Eletrobras. O texto é praticamente igual ao do projeto de lei ignorado por Maia, com uma diferença que acelera ao processo ao permitir desde já os estudos prévios à venda, feitos pelo BNDES.
É impossível ignorar todo o timing para a edição desta medida provisória por um presidente que oscila entre a convicção privatizante e o estatismo. O compromisso de Bolsonaro com a redução do Estado, que passou a ser mais questionado desde que Salim Mattar deixou a Secretaria de Desestatização, nunca esteve tão em xeque quanto agora, após uma interferência para trocar o presidente da Petrobras. Ainda que se esteja na “janela” entre mandatos para o presidente da estatal, as preocupações não são motivadas tanto pela troca em si, mas pelas razões para se remover um executivo que teve indiscutível sucesso à frente da empresa. Bolsonaro não esconde sua insatisfação com a política de preços da Petrobras, que acompanha oscilações do mercado internacional, levando ao medo de que o governo tente represar artificialmente os preços dos combustíveis, repetindo as práticas deletérias do governo Dilma e que ajudaram a dilapidar a estatal.
A privatização da Eletrobras é bem-vinda e necessária já há um bom tempo, e por esse ângulo a MP é um acerto. No entanto, não há como não enxergá-la também como tentativa de recuperar uma imagem arranhada pelos últimos episódios envolvendo empresas estatais. O governo volta a exibir credenciais liberais e lança a responsabilidade para o Congresso, que tem 120 dias para votar a MP antes que ela caduque. Por ocasião da saída de Ferreira Junior, afirmamos que todo o palavreado em defesa da privatização vindo de Brasília após o pedido de demissão de nada valia se não viesse acompanhado de ações concretas. Seja por convicção, seja como mera medida de “gerenciamento de crise” após o caso da Petrobras, o fato é que algo foi feito. O processo de privatização está disparado, e que deputados e senadores entendam a necessidade de seguir adiante com ele.
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