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Editorial

Privatizações adiadas

Salim Mattar, secretário Especial de Desestatização, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2020: pretensão de levantar R$ 150 bilhões com privatizações foi abandonada. (Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República)

Não é apenas no estouro dos gastos, na queda de arrecadação e na prorrogação de pagamentos a receber que a pandemia de coronavírus afetará o caixa da União. O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar, afirmou nesta quarta-feira, dia 22, que todo o programa de desestatizações previsto para 2020 ficará para 2021. Isso inclui a venda da participação do governo em empresas privadas; a redução da participação da União em estatais, ainda mantendo o controle acionário; e as privatizações propriamente ditas, como a da Eletrobrás, que ainda depende de aprovação de projeto de lei no Congresso, mas que o governo esperava poder realizar no segundo semestre deste ano.

O argumento do secretário é o de que os ativos estão depreciados demais no momento atual para que valha a pena realizar operações de desestatização: “Não há ambiente no mercado para a venda de participações e ativos. Essa crise nos surpreendeu”, afirmou Mattar, acrescentando que o cronograma de 2020 não foi o único afetado, e que muito provavelmente as privatizações previstas para 2021 – caso dos Correios e da Telebrás – terão de ocorrer apenas em 2022. Com isso, Mattar também disse que a equipe econômica não vai elaborar nova meta para este ano, em substituição ao objetivo original de levantar R$ 150 bilhões – no ano passado, o governo conseguiu bater a meta e conseguiu R$ 105,5 bilhões.

É de se supor que a equipe econômica tenha analisado todas as possibilidades antes de jogar a toalha de forma tão enfática

Especialmente quem acredita que a retomada deva ser mais rápida que o previsto pode ter suas ressalvas à avaliação do governo. O índice Ibovespa, por exemplo, já subiu 25% desde o nível mais baixo do ano, um mês atrás – mas ainda teria de subir outros 50% para igualar o seu melhor momento, em janeiro. Mesmo assim, é de se supor que a equipe econômica tenha analisado todas as possibilidades antes de jogar a toalha de forma tão enfática, tanto pelo compromisso inegável de Mattar, Paulo Guedes e outros membros do ministério com o enxugamento do Estado quanto pelo efeito fiscal que essa desistência terá. Se esses recursos já fariam muita falta em condições normais – antes da crise causada pelo coronavírus, a previsão de déficit primário era de R$ 124 bilhões –, seriam ainda mais necessários diante do enorme rombo que está por vir. A título de exemplo, governo e Congresso negociam um projeto de socorro a estados e municípios em que a União está disposta a arcar com algo na casa das dezenas de bilhões de reais, enquanto o texto atual pode jogar no colo do Tesouro Nacional um gasto várias vezes maior.

Só mesmo uma retomada muito surpreendente da atividade econômica poderia salvar algo do programa de desestatização ainda em 2020. “Teremos de ter um momento oportuno para que o mercado retorne. Teremos que aguardar um período de tempo que não sabemos se três, seis meses ou quatro anos”, disse Mattar. A economia e o preço dos ativos teriam de crescer muito rapidamente – em “V”, como afirma Guedes – para que ainda houvesse tempo hábil de realizar os estudos e cumprir as etapas burocráticas necessárias para uma venda de ações ou empresas neste ano. Mas, com a incerteza completa que ainda reina, pareceu mais prudente à equipe econômica jogar o horizonte para 2021 em vez de prometer um adiamento de alguns meses e, depois, ter de rever o calendário mais uma vez caso os efeitos da pandemia demorem a passar.

A decisão nada fácil de abandonar qualquer pretensão de fazer entrar algumas dezenas de bilhões de reais nos cofres da União com a desestatização apenas reforça a necessidade de usar com responsabilidade a prerrogativa de poder gastar além dos limites para conter os efeitos do coronavírus. Empregue-se agora o dinheiro que for necessário, nem mais, nem menos, e que esse buraco possa começar a ser coberto assim que as circunstâncias forem mais favoráveis. As privatizações serão importantes nessa compensação, como afirmou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, ao defender que em 2021 o programa de desestatização seja acelerado. Realizar vendas e leilões no melhor momento possível, com ativos valorizados e potenciais compradores também recuperados e dispostos a investir, é uma decisão sensata.

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