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Editorial

Privilégio indevido

Definitivamente, os políticos nunca perdem a capacidade de surpreender os seus eleitores, via de regra pelo viés negativo. Depois de afrontarem a opinião pública neste início de ano com a votação, a toque de caixa, de um aumento de 61,8% nos próprios vencimentos, que passam de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil, mais verbas de representação, outro tema polêmico volta à baila para tirar do sério os brasileiros: é a questão das aposentadorias concedidas a ex-governadores, conforme destacado pela Gazeta do Povo em sua edição de ontem. O privilégio está sendo agora questionado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que anunciou a intenção de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com ação contra os governadores de pijama beneficiários de ganhos vitalícios após deixarem o cargo.

Na realidade, a questão não é nova, mas ganha as manchetes diante de alguns descalabros agora revelados e da disposição da OAB de por um fim à regalia que se constitui num autêntico tapa na cara do trabalhador dito comum; este, obrigado a trabalhar por 35 anos, no caso dos homens, e 30, se mulheres, ou atingir a idade limite de 65 (homens) e 60 (mulheres) para conseguir se aposentar.

Atualmente, cerca de 80 ex-governadores recebem o benefício, número que vai aumentar com as solicitações recém-encaminhadas por alguns que deixaram o cargo no dia 31 de dezembro passado.

No Paraná – estado que mais tem gastos com esses benefícios – nove ex-chefes do Executivo estadual e quatro viúvas recebem a regalia mensal de R$ 24,5 mil, entre eles Alvaro Dias e Roberto Requião, que solicitaram o pagamento em outubro passado. Orlando Pessuti, que deixou a função no fim de dezembro de 2010, tendo governado por apenas nove meses, passa a fazer parte do seleto clube no fim deste mês.

No caso de Requião é importante recordar que, na eleição de 1990 ao governo estadual, ele reiteradas vezes criticou seu então opositor, José Richa, pelo fato de se beneficiar de aposentadorias recebidas por conta de cargos exercidos. Como em política não há nada que se fale num dia que não se possa desdizer no outro, Requião engoliu as próprias palavras e já está embolsando o polpudo quinhão; este, é importante que se diga, irá se somar ao de senador, cargo para o qual foi eleito na última eleição, garantindo nada mais nada menos que R$ 51,5 mil mensais a partir de fevereiro.

A situação é ainda mais esdrúxula em relação ao senador Alvaro Dias, que, além de já receber o benefício, pleiteia um ressarcimento retroativo aos últimos cinco anos, o que daria a nada desprezível soma de R$ 1,6 milhão. A exemplo de seu colega Requião, também acumulará a pensão com o salário de senador.

Os abusos com aposentadorias para ex-governadores não é prerrogativa paranaense, ocorrendo também em vários outros estados. Nos últimos dias a imprensa vem escancarando alguns desses lamentáveis abusos, como o pagamento a quem exerceu o cargo por uns poucos dias apenas. Em Mato Grosso, o hoje conselheiro do Tribunal de Contas e ex-deputado Humberto Bosaipo respondeu pelo Executivo estadual por dez dias e ganhou em troca o direito à vitaliciedade do benefício. Já Pedro Pedrossian, que foi governador de Mato Grosso e também de Mato Grosso do Sul, usufrui do privilégio de receber aposentadorias pelos dois estados, que somadas chegam a R$ 40 mil mensais. Por aqui, o então deputado João Mansur presidiu em 1973 o governo do estado por 39 dias e recebe desde então R$ 24,8 mil todos os meses.

Mas os absurdos não param por aí. No Piauí, o privilégio banca até pensão de ex-mulher, como divulgou o jornal O Estado de S.Paulo. Lá dois ex-governadores, Napoleão do Rego Neto e Antônio de Almendra usam a pensão vitalícia para o pagamento de pensão alimentícia para suas ex-mulheres. Há ainda outros quatro que não receberam nenhum voto, mas, como vices, exerceram mandatos por menos de um ano após o governador renunciar para disputar outro cargo e, portanto, têm direito ao benefício, assim como Pessuti aqui no Paraná.

Fruto da prodigalidade com que o dinheiro público sempre foi tratado no Brasil, a aposentadoria para ex-governadores é mais um ranço político que ainda persiste. Na visão da OAB, trata-se de um privilégio que agride o princípio da moralidade e que, portanto, precisa acabar. É o que se espera que venha a ocorrer a partir da discussão da matéria no Judiciário, a quem caberá decidir em última instância.

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