Dois episódios ocorridos nos últimos dias podem dar a dimensão da força que a sociedade pode exercer sobre pessoas públicas que detêm canetas para criar privilégios para as respectivas corporações à custa, lógico, do dinheiro dos contribuintes. Um deles foi a vigência, por apenas três dias, de um ato do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que concedia aos cônjuges dos parlamentares o direito a passagens aéreas para ir e vir de Brasília para seus rincões. Outro foi a tentativa da Assembleia Legislativa do Paraná de aumentar a verba liberada pelos deputados estaduais para representação e custeio dos seus respectivos gabinetes. O presidente da Casa, deputado Ademar Traiano, demorou 48 horas para revogar a intenção.

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Há duas indagações relevantes que precisam ser feitas visando encontrar explicações para as meias-voltas a que se obrigaram os presidentes das duas instituições. A pressão da opinião pública, se permanentemente potencializada, pode fazer o país mudar seus costumes? Os recuos teriam sido atos sinceros de reconhecimento daquelas autoridades de que, se implantados, os benefícios que desejavam conceder constituiriam um pronto e acabado desrespeito aos valores republicanos?

Quanto à primeira indagação, a resposta é positiva: um povo atento e disposto a fiscalizar seus representantes – e, mais do que isso, a condenar suas malfeitorias – pode, sim, estimular a prática da consciência ética dos detentores do poder político, ainda que não tanto em razão dos valores intrínsecos e implícitos na gestão da coisa pública, mas apenas em razão dos prejuízos político-eleitorais a que se arriscam sofrer. Não se reelegerem no próximo pleito é sempre um dos fantasmas que perseguem os políticos. Ainda que neste jogo de ação e reação a mola propulsora da boa conduta tenha caráter meramente oportunista e demagógico e a moralização não passe de um efeito transverso, não deixa de ser indubitavelmente importante.

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A pressão da opinião pública, se permanentemente potencializada, pode fazer o país mudar seus costumes?

Por outro lado, seria suprema ingenuidade querer enxergar sinceridade completa na anulação dos privilégios que parlamentares tentaram implantar em benefício próprio. Ora, mesmo para os deputados de visão mais estreita é clara a imprudência que se cometeria com a instituição da bolsa-avião ou do aumento das verbas dos parlamentares – assim, não seria injusto afirmar que eles estavam mesmo decididos a implantar os privilégios. A meia-volta só aconteceu diante da repercussão negativa na sociedade; caso contrário, o silêncio ou a postura de conformidade da população consagraria as estripulias com o dinheiro público.

As explicações dadas por Eduardo Cunha e Ademar Traiano apenas confirmam a percepção do cinismo. Cunha alegava que conceder passagens aéreas aos cônjuges dos deputados não traria nenhum impacto sobre o orçamento da Casa. Para Traiano, o aumento da verba dos gabinetes de R$ 78 mil para R$ 120 mil mensais era “natural” e “automático” após medida semelhante em Brasília – a resposta óbvia é aquela que a própria Gazeta do Povo deu dias atrás, em editorial sobre o auxílio-moradia concedido pelo Tribunal de Contas do Estado a seus conselheiros e auditores: ninguém é “obrigado” a esbanjar dinheiro do contribuinte paranaense ou brasileiro, mesmo que todos os demais o estejam fazendo.

Quando, porém, a tempestade de críticas caiu sobre as respectivas cabeças, Traiano afirmou que mudou de ideia para “dar exemplo” – quando, na verdade, o exemplo teria sido dado se não tivesse havido nenhum reajuste do qual recuar – e como demonstração de sua compreensão de que as finanças públicas atravessam momento delicado. Já Eduardo Cunha reconheceu que “ninguém está imune a erros”, como se o deputado não soubesse exatamente o que estava fazendo quando criou o benefício que depois revogou.

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Com ou sem recuos estratégicos e oportunistas, não se pode esconder uma verdade: a sociedade foi insultada por quem mais deveria respeitá-la. Como contraponto ao insulto, o que cabe à opinião pública é a rejeição e o protesto, remédios indispensáveis (mas nem sempre eficazes) para conter os aproveitadores.